Título: Redimensionando o papel de Chávez
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2006, Internacional, p. A8

Os petrodólares venezuelanos colocaram o presidente Hugo Chávez em primeiro plano na cena política latino-americana. Mas a derrota do ex-militar nacionalista Ollanta Humala no Peru ilustra que não basta ter dinheiro: é preciso saber usá-lo. Na afobação de eleger governos amigos, Chávez abusou da interferência direta no processo político-eleitoral dos vizinhos. Se deu mal e pode sair da atual rodada de eleições latino-americanas com seu eixo de influência restrito a Venezuela, Cuba e Bolívia.

Vários países usufruem das benesses venezuelanas. Chávez vem comprando títulos da dívida da Argentina, do Equador e da Bolívia. Além disso, facilitou contratos de petróleo e combustível a países como o Uruguai. Chávez distribui esses benefícios graças ao poder discricionário com que trata as receitas da Venezuela.

Mas isso não garantiu a disseminação na região de sua práxis de poder autoritária, do conjunto de idéias que ele define como socialismo bolivariano -o que quer que isso signifique-, nem do seu antiamericanismo.

Um exemplo é a proposta venezuelana de criar uma empresa regional de petróleo, a PetroAmerica, que uniria estatais sul-americanas. O presidente argentino, Néstor Kirchner, como outros líderes da região, não rejeita a proposta em público, para não constranger Chávez e continuar assim contando com os petrodólares venezuelanos. Mas não faz nada para que ela avance. O governo brasileiro também não se interesse pela fusão de empresas.

Cabe perguntar a quem Chávez de fato influencia na região.

Certamente não a Colômbia, do recém-reeleito presidente Álvaro Uribe, com quem Chávez já teve entreveros e a quem culpou pela saída da Venezuela da Comunidade Andina. Já Uribe vê apoio de Chávez à guerrilha.

O Chile tem sua própria agenda, em parte descolada da região.

A Argentina, na qual Chávez tanto apostou, é maior que a Venezuela, tem sua própria estratégia de projeção regional e parece ainda priorizar a aliança estratégica com o Brasil no Mercosul.

Uruguai e Paraguai gravitam em torno de Brasil e Argentina. E têm mais interesse no comércio com os EUA do que na Venezuela.

No Peru, Chávez não será bem-visto por algum tempo.

O México tem um projeto de abertura global e uma relação de dependência com os EUA. Mesmo que o esquerdista Andrés Manuel López Obrador vença as eleições de julho (Chávez o apóia abertamente; ele procura se desvincular do apoio), não haverá um alinhamento com a Venezuela. Nem se Obrador quisesse, aliás, pois muito provavelmente quem quer que vença não terá maioria no poderoso Congresso do México.

O Equador é o alvo mais importante para Chávez agora. O país fará eleições em outubro. Há agitação social, especialmente no atuante movimento indígena, o que levou o governo no mês passado a expulsar a petroleira americana Occidental e expropriar seus ativos. Mas o Equador já teve seu candidato a Chávez, o ex-presidente Lucio Gutierrez, eleito em 2002 com o beneplácito dos movimentos sociais e indígenas e destituído em 2004. O quadro eleitoral está completamente aberto, mas é improvável que o vencedor tenha poder o bastante, num país tão instável, para se alinhar com Chávez.

Outro alvo são os países centro-americanos, especialmente a Nicarágua, mas eles também dependem do comércio com os EUA.

Sobra a Bolívia. Mas, mesmo lá, o presidente Evo Morales tem uma fração do poder que Chávez exerce na Venezuela. Morales provavelmente não terá maioria na Assembléia Constituinte e precisará negociar a nova Constituição com a oposição. Ele também não tem a receita extra que Chávez obtém do petróleo. Além disso, as províncias mais ricas devem continuar sendo controladas pela oposição.

Esse cenário sugere que pode ser exagerada a percepção da influência de Chávez e a idéia de um retorno da região ao populismo.

Mostra ainda que a afobação de Chávez fez dele um destruidor de pontes com líderes e movimentos políticos regionais. Esse é um papel que Chávez dificilmente retirará do Brasil, o de principal construtor de pontes na América do Sul, literal e metaforicamente. Isso facilita ainda a estratégia americana já explicitada de isolar o chavismo.

A grande incógnita agora é como se dará a inserção da Venezuela no Mercosul.