Título: Falta de higiene contamina hospitais
Autor: Evans, Luciane
Fonte: Correio Braziliense, 29/08/2010, Brasil, p. 11

Levantamento da Anvisa em cinco instituições mostra que 60% dos médicos não lavam as mãos antes e depois de terem contato com os pacientes, causando sérios riscos à saúde

Passados quase 200 anos desde que, em 1846, o médico húngaro Ignaz Phillip Semmelweis constatou que a simples prática de lavar as mãos era a melhor forma de prevenir a contaminação por bactérias, um grande número de médicos, que têm a obrigação de evitar a proliferação de doenças, não lava as mãos, pondo em risco a saúde dos pacientes. Pelo menos é isso que comprova levantamento feito este ano pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em cinco hospitais de grande porte do país. Os resultados são assustadores. A Anvisa constatou que 60% dos profissionais de saúde não higienizam as mãos antes e depois de terem contato com os pacientes.

A situação é tão grave que a Anvisa vai exigir que hospitais, clínicas e demais estabelecimentos de saúde disponibilizem produtos de higiene (álcool) para médicos, dentistas, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, entre outros. O produto poderá ser oferecido em forma de gel, líquido ou espuma, mas seu fornecimento será obrigatório. O prazo para a discussão da proposta, por meio de consulta pública, se encerra amanhã. Depois disso, os estabelecimentos de saúde terão até 180 dias para se adequarem. Vamos consolidar as sugestões que recebemos de todo o país. Depois de publicada a norma, ela passará a ser obrigatória, explica Janaína Sallas, chefe da Unidade de Investigação e Prevenção das Infecções da Anvisa. Segundo Sallas, o procedimento é uma medida básica que evita a disseminação da infecção hospitalar.

Álcool A especialista destaca que, muitas vezes, a baixa adesão dos profissionais ao hábito de lavar as mãos está relacionada com a grande carga de trabalho. A Anvisa não está pedindo que a água e o sabão sejam substituídos. Uma lavagem de mãos com sabonete benfeita dura, em média, um minuto e meio. Com o álcool, o tempo passa para 15 segundos, informa. A proposta é que o produto seja posto nos pontos de assistência e tratamento, salas de triagem e de pronto atendimento, e unidades de urgência e emergência. O álcool deve estar em ambulatórios, clínicas e consultórios, serviços de atendimento móvel e nos locais em que são realizados procedimentos invasivos.

Os dispensadores deverão ficar em lugar visível e de fácil acesso, à beira do leito do paciente, de forma que os profissionais de saúde não precisem deixar o local para fazer a higienização. A proposta é para que todos tenham acesso ao produto nos cinco momentos preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS): antes e depois do contato com o paciente, antes da realização de procedimentos assépticos, após exposição a sangue e outros fluidos corporais e após contato com ambiente próximo ao doente, orienta Janaína.

Mas mesmo com todo o esforço, a norma pode, ainda assim, passar despercebida. Uma pesquisa de 2009, feita em um hospital público de Ipatinga (MG), pela enfermeira Fernanda Mendes Santos, do Centro Universitário do Leste de Minas (Unileste), comprovou que apesar da disponibilidade dos produtos para a lavagem e da existência de cartazes explicando como lavar as mãos corretamente, os profissionais não adotaram o procedimento e passaram por lavatórios como se eles não existissem. Fernanda sentou-se ao lado de uma pia e observou que o uso de água e sabão era mínimo. E não são só os médicos, outros trabalhadores também não têm o hábito de lavar as mãos. É um gesto indispensável, de eficácia documentada em estudos bem antigos. Num ambiente hospitalar, há bactérias multirresistentes, que podem ser transportadas de um doente para o outro, comenta a orientadora da pesquisa, Virgínia Maria da Silva Gonçalves, professora de enfermagem e doenças transmissíveis do Unileste.

Uma lavagem de mãos com sabonete benfeita dura, em média, um minuto e meio. Com o álcool, o tempo passa para 15 segundos

Janaína Sallas, chefe da Unidade de Investigação e Prevenção das Infecções da Anvisa

Pegos em flagrante

Um passeio pela área hospitalar de Belo Horizonte comprova que a falta de cuidados de higiene por parte dos profissionais de saúde da capital vai além da baixa adesão ao hábito de lavar as mãos, conforme constata o levantamento da Anvisa. A reportagem percorreu a região e encontrou situações de total falta de bom senso e preocupação com a transmissão de doenças. Médicos, enfermeiros e técnicos de saúde saem do local de trabalho e circulam por ruas, restaurantes e lanchonetes usando jalecos com os quais atenderam pacientes ou participaram de procedimentos médicos. Profissionais das áreas de limpeza e lavanderia dos hospitais também saem à rua de uniforme e touca.

Nem mesmo a grande campanha feita para combater o vírus da influenza A (H1N1) no ano passado, orientando as pessoas a lavar as mãos para evitar a transmissão da doença, foi capaz de sensibilizar os profissionais. Na tarde quarta-feira, Gustavo Castro, de 23 anos, estudante de medicina e estagiário do setor de enfermaria de um grande hospital de Belo Horizonte, voltou para casa , na tarde da quarta-feira, usando o jaleco e o estetoscópio no ombro. Isso não tem problema, o jaleco é para me proteger. Já o equipamento, vou passar álcool antes do atendimento, garantiu, afirmando ser preocupante o fato de seus colegas não lavarem as mãos antes de um procedimento médico. Isso eu não faço.

Para o professor do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marco Antônio Lemos Miguel, não há dúvida: o risco existe. Marco é responsável por um estudo recente que revelou que alguns tipos de bactérias conservam-se por dias e até dois meses na peça de roupa e pelos menos 90% delas resistem no tecido durante 12 horas. As bactérias dos hospitais são muito resistentes e, se entrarem em contato com pessoas suscetíveis, elas se tornam um perigo, alerta. (LE)