Título: Encontro na Fiesp evidencia divergência entre UE e empresários
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2006, Brasil, p. A4

A participação do presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, num seminário promovido ontem pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), deixou mais uma vez evidente a falta de sintonia entre o que pretendem os líderes europeus e o que desejam os empresários brasileiros em termos de negociações comerciais.

Durão Barroso insistiu que, no âmbito da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), a União Européia só aceita melhorar sua oferta agrícola se o Brasil e outros emergentes fizerem concessões reais na área de produtos industriais e serviços e se os EUA "alterarem a sua posição em matéria de subsídio à agricultura".

Os empresários mostraram que compartilham da visão do governo brasileiro de que o país só deve ceder mais na área industrial se houver antes redução de subsídios e cortes de tarifas no setor agrícola por parte de países desenvolvidos. "O setor industrial está sendo liberalizado há 50 anos, enquanto a agricultura sequer começou esse processo", disse o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.

Durão Barroso afirmou, porém, não ver essas posições como irreconciliáveis. "Todos têm interesses, que são não os mesmos, mas são interesses convergentes, e não conflitantes. A indústria brasileira disse que está com uma posição a favor da abertura comercial global." Para ele, é possível que, caso haja o esforço de todos, se chegue um compromisso sobre essas questões até julho, quando os países do G-8 se reúnem na Rússia para tentar destravar a Rodada Doha.

Durão Barroso procurou rebater a idéia de que a economia européia seja fechada. Segundo ele, cerca de 70% das exportações brasileiras entram no continente sem pagar tarifas e 38% das exportações de produtos agrícolas brasileiros vão para a UE.

O presidente do Instituto Nacional de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Marcos Jank, contestou a visão de Durão Barroso. Segundo ele, na área agrícola, a UE é aberta apenas à entrada de produtos tropicais e das ex-colônias. "Mas quando se fala no mercado carnes, lácteos, açúcar e cereais, a UE é uma fortaleza", disse ele, lembrando que as tarifas aplicadas sobre produtos importantes para o Brasil chegam a superar 100%. "No caso da carne bovina, as tarifas vão de 120% a 180%." A proposta européia de um corte de 30% dessas alíquotas seria insuficiente. No caso da carne, a tarifa de 180% cairia para 126%. Jank também criticou a oferta européia de ampliação das cotas para a entrada de produtos brasileiros. Ele ressaltou que, em contrapartida, a UE quer que o Brasil faça uma proposta mais agressiva de redução de suas tarifas industriais - o país já aceita adotar a chamada fórmula suíça 30, que implicaria um corte de um pouco mais de 50% nas tarifas consolidadas na OMC. "Com isso, não há um total desequilíbrio entre o que a UE propõe de cortes na área agrícola e o que ela pede de redução de tarifas industriais?", perguntou Jank a Durão Barroso.

Durão Barroso rebateu, afirmando que seria necessário comparar a atual oferta da UE com as anteriores. Ele também lembrou que, nos últimos cinco anos, as exportações brasileiras de carne para a Europa aumentaram 50%. Além disso, ele disse ainda ser indispensável que haja "cortes reais" de tarifas industriais por parte de países como o Brasil para que a Comissão tenha condições de propor aos países-membros da UE mais avanços na oferta agrícola do bloco.

Barroso também falou na importância de um acordo entre a UE e o Mercosul, mas reiterando que está disposto a fazer "concessões agrícolas politicamente difíceis desde que o Mercosul esteja aberto a contrapartidas nos domínios de interesse da UE, como produtos industriais e serviços".