Título: Anfavea aceita abertura em troca de vantagem fiscal
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2006, Brasil, p. A4

A indústria automobilística está assumindo que o câmbio não é mais o grande motivador das suas exportações. Por isso, decidiu que precisa seguir um outro caminho para ocupar a capacidade de produção que vinha sendo preenchida pelas exportações. O foco é o aumento do mercado interno, que poderia crescer com redução de impostos. Esse benefício passa pelo ajuste fiscal, segundo a análise do setor, e é essa mensagem que as montadoras querem deixar para quem vai assumir o governo.

Também pela primeira vez essa indústria sai em defesa da redução das barreiras à entrada dos veículos importados. Hoje os veículos produzidos fora do Mercosul ou da cota do acordo com o México recolhem Imposto de Importação de 35%. No entanto, o setor quer condicionar essa repentina simpatia à abertura do mercado a mudanças estruturais na esfera fiscal.

Segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a entidade que representa as montadoras no país, Rogélio Golfarb, com o atual nível de câmbio o setor não consegue ser mais competitivo. Segundo o dirigente, o câmbio, o grande motivador das exportações automotivas, não serve mais para sustentar o comércio exterior do setor, que representa 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Como o mercado interno não cresceu até agora no mesmo ritmo das exportações, o setor precisa buscar escala de outra forma. A saída, segundo a análise dessa indústria, está no próprio mercado interno.

"Precisamos de mais escala e o grande freio para isso é a carga tributária", diz o presidente da Anfavea. Na área da tributação, o executivo argumenta não apenas com a clássica reclamação de que a carga de impostos no carro brasileiro é a mais elevada do planeta como aponta ainda outros entraves, como o custo de internação dos dólares que entram no país com as exportações. "O custo dessa internação com burocracia e taxas equivale a 4% do valor do carro", afirma. Daí, lembra, a necessidade da modernização da lei cambial.

Golfarb lamenta a conclusão que se aproxima do ditado do "feitiço que se volta contra o feiticeiro". Ele lembra que o aumento das exportações é um dos fatores que mantêm o dólar baixo. "O volume de recursos das vendas externas é muito maior do que o que entra por meio do mercado financeiro", diz. "Uma reserva alta joga o câmbio para baixo", completa.

"Os dólares que nós ajudamos a colocar na balança comercial do país se voltam agora contra nós mesmos, que não conseguimos mais exportar", afirma. No ano passado a indústria automobilística obteve receita de US$ 11,18 bilhões com exportações.

O desafio do setor automotivo que, segundo Golfarb, mantém constante trabalho de aumento de produtividade para enfrentar a desvantagem cambial, é agora manter competitividade mundial. "E o desafio mundial para o setor automotivo não é pequeno", afirma. Segundo ele, para enfrentar a concorrência de China e Índia essa indústria não poderá operar com capacidade ociosa. Ele explica que mesmo que esses dois países e mesmo o Leste Europeu sejam destinos óbvios para os investimentos, as multinacionais do setor "não vão querer colocar todos os ovos na mesma cesta". Daí a oportunidade de o Brasil continuar a atrair investimentos.

Hoje o Brasil é, de fato, o campeão da carga tributária em veículos. Como essa indústria também se convenceu que não adianta simplesmente pedir ao governo para reduzir impostos sem vislumbrar um caminho para isso, o presidente da Anfavea diz que nenhuma redução tributária pode vir sem um ajuste fiscal. "Esse é o desafio do governo porque ele precisa reduzir a necessidade de recursos do orçamento para o custeio da sua máquina", afirma.

A idéia deveria, segundo o dirigente, servir de base para toda a indústria de manufaturados. "Basta observar que o último dado de crescimento do PIB mostra que o crescimento industrial veio muito mais da indústria de extração do que a de transformação", afirma.

O presidente da Anfavea diz que a indústria automobilística está ciente de que chegou a hora de entrar em um novo ciclo. E por isso defende a abertura. "Mas essa abertura precisa vir acompanhada de medidas que aumentem a competitividade do setor", afirma o dirigente.

No fundo não interessa a essa indústria nesse momento apoiar a continuidade das barreiras protecionistas. Principalmente porque o novo mapa de produção de veículos no planeta estabelece a divisão das linhas de montagem entre os países por tamanho e tipo de veículo. Assim, a essas empresas também interessa importar os carros que não conseguem produzir no Brasil por falta de escala. Isso se refere principalmente aos modelos luxuosos.