Título: Juros estáveis e muitas dúvidas
Autor: Cristino, Vânia; Borre, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 29/08/2010, Economia, p. 18

Mercado dá como certa a manutenção da taxa Selic em 10,75% na reunião do Copom que acaba na quarta-feira. Mas analistas temem inércia do BC

Às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para a terça e a quarta-feira, o mercado se debate sobre os próximos passos a serem dados pelo Banco Central. Ainda que os atuais números de inflação deem conforto à instituição para manter a taxa básica de juros (Selic) em 10,75% ao ano, há o temor com uma indesejável complacência quanto aos rumos dos índices de preços.

Para Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e sócio da Consultoria Tendências, a autoridade monetária se equivocou ao diminuir o ritmo de alta da Selic na última reunião do Copom, de 0,75 para 0,5 ponto percentual. Tal movimento não só levou o mercado a entender que, para este ano, não haverá mais aumento dos juros, como consolidou as apostas de que a inflação ficará acima do centro da meta (4,5%) neste ano e no próximo.

Se o BC quiser corrigir o erro, deve promover um aumento de 0,5 ponto na próxima reunião do Copom, devido à deterioração das expectativas. Se não fizer isso, teremos uma inflação maior em 2011, diz Loyola. No seu entender, o crescimento da economia continua forte e, até em função da sinalização na última ata do Comitê, a expectativa em relação à inflação para o ano piorou. Os riscos aumentaram, avalia. Se o BC não fizer mais nada neste ano, em 2011 terá que promover um novo aperto monetário de pelo menos dois pontos, acredita.

A economista Tatiana Pinheiro, do Banco Santander, prefere não emitir juízo de valor sobre o acerto ou não da condução da política monetária. Ela reconhece, no entanto, que o BC mudou de atitude e que, ao ampliar o horizonte relevante da taxa Selic, ganhou mais tempo para fazer o ajuste. Na prática, a instituição está sendo mais leniente com a inflação a curto prazo.

Diante dessa nova postura do BC, o banco espanhol deixou de apostar em novo aumento da taxa de juros em 2010. Acreditávamos que a taxa chegaria a 12% este ano, diz Tatiana. Ela observa que a deflação em diversos índices de inflação foi centrada nos alimentos, que são uma variável para lá de sazonal. Todos os demais itens apresentaram alta de preços, afirma. O Santander continua apostando que, no ano que vem, já com o BC sob novo comando, a taxa Selic chegará a 13% para manter a inflação sob controle.

Zeina Latif , economista-sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS), ressalta que é cedo para avaliar se o Copom cometeu ou não um equívoco na última reunião. O cenário internacional sofreu uma mudança importante, o que pode e vai ajudar o Banco Central a atingir a meta de inflação sem precisar de aperto adicional, avalia. Por causa dessa mudança, Zeina classifica como razoável a desaceleração na alta dos juros.

Vamos ter, para o terceiro trimestre, uma inflação abaixo dos 5,1% esperados pelo BC. Acredito o índice ficará em torno de 4,6%, diz. A economista também chama a atenção para o fato de o BC ter que tomar decisões num ambiente de incertezas que ainda persistem na economia.

O cenário internacional sofreu uma mudança importante, o que pode e vai ajudar o BC a atingir a meta de inflação sem precisar de aperto adicional

Zeina Latif, economista-sênior do Royal Bank of Scotland

Diferenças se acentuam

Integrante de um bloco minoritário de analistas, Roberto Padovani, economista-chefe do Banco WestLB, diz que o Banco Central foi claro ao mostrar para o mercado, quando reduziu o ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic), que tem uma visão diferente dos riscos inflacionários. O BC deu sinais de que percebe riscos menores que os de mercado, afirma. A partir dessa sinalização, diz ele, o que conta é a proximidade do fim do ciclo do aperto monetário. Se deveria ter dado 0,75 ou 0,50 passou a ser irrelevante, avalia.

Para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), Padovani acredita que a taxa de juros não se mexerá. A economia está aquecida, mas não superaquecida, e a inflação não dá sinais de descontrole, ressalta. O economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, é da mesma opinião. Mas, no seu entender, o BC deveria apertar um pouco mais a mão na Selic para aumentar a confiança aos agentes econômicos de que a inflação convergirá para o centro a meta (4,5%) rapidamente no ano que vem.

Na avaliação de Rosa, a economia se mantém em um patamar robusto. Tanto que a taxa de desemprego está no menor nível da história. Mas não vemos nenhum exagero, frisa. Ele destaca que o fato de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de julho ter vindo praticamente zerado a variação foi de apenas 0,01% é conjuntural. Não dá para extrapolar para o resto do ano, observa. Ele também não acredita, ao contrário do BC, que a fraqueza da economia mundial resulte em um viés deflacionário dos preços internos.

Pelas contas do economista da Sul América, a Selic deveria continuar subindo para até 12,25%. Segundo as indicações que o Copom tem dado, os juros ficarão estáveis pelo resto do ano, o que significa que estamos transferindo o aperto monetário, ou parte dele, para o próximo ano. (VC e JB)