Título: Pressa atropela as intenções do PFL
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2006, Política, p. A10

O PFL está cheio de boas intenções mas não tem a menor idéia de onde vai sairá o dinheiro para financiá-las. Se a tem, deixou-a de lado nas propostas para o programa de governo que foram divulgadas durante a oficialização de sua chapa com o PSDB para a disputa presidencial.

O título do documento de 31 páginas não poderia ser mais sintomático - "Caminhos para um país que tem pressa". Não há dúvidas de que o partido, ao divulgar suas metas antes do partido que encabeça a chapa, tem pressa. Resta a esclarecer a que país levam os caminhos do PFL.

O partido tem pressa para recuperar a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento econômica e acha que pode fazê-lo pela diminuição do Estado. Propõe-se, por exemplo, a reduzir o número de ministérios e cargos comissionados. A medida pode até ter algum impacto na eficiência de governo, mas é de duvidosa eficácia na redução de gastos. Dados em posse do PSDB indicam que a folha de salário do funcionalismo público, computada a política de contratações promovidas pelo governo federal, representa 2,3% do PIB, mesma fatia de 1991.

Os dois únicos capítulos em que o PFL traça a linha divisória é no da reforma agrária, em que defende a suspensão dos processos de desapropriação de fazendas invadidas e no de política externa, que opta pela aproximação com a Alca e com os países da OCDE em detrimento do que chamam de integração regional por meio de "associação automática com o rumo da política interna dos países vizinhos".

O documento pefelista ataca os gastos de custeio, sem dizer exatamente a que se refere. Se estiver tratando, por exemplo, de passagens aéreas, recomenda-se uma consulta ao PSDB, que já constatou uma diminuição nesse item este ano. O foco em itens do gênero tem um grande apelo de opinião pública, mas pouquíssimo impacto fiscal. Se nenhum funcionário público da União viajar durante todo o ano, isso significaria uma economia de R$ 1 bilhão. Só com a rubrica responsável pelo auxílio-doença, o Tesouro gasta R$ 16 bilhões por ano.

O partido está disposto a manter e até ampliar o Bolsa Família. Há um consenso dentro e fora do governo de que o projeto, depois de ter ultrapassado os 9 milhões de famílias, o que somam 36 milhões de beneficiários, está próximo de alcançar o seu público alvo. A maior ampliação, a partir de agora, se daria antes pelo valor do benefício, do que pela quantidade de beneficiários.

Não há como podar custeio e ampliar benefícios Não há como ser contra as propostas pefelistas de aumentar o valor da bolsa em função dos anos letivos completados pelos beneficiários, numa escala de premiação proporcional à conclusão do ensino médio e, até mesmo, à chegada à universidade.

O problema é que não há como ampliar o Bolsa Família nessa magnitude ao mesmo tempo em que se pretende cortar gastos de custeio, onde está embutido o programa. A Assistência Social, que engloba, além do Bolsa Família, outros programas previstos na Loas (Lei Orgânica de Assistência Social), representavam, em 2001, gastos equivalentes a 0,7% do PIB. Em cinco anos essa fatia dobrou. E hoje corresponde a quase três vezes o investimento público do país.

O capítulo tributário é outro ninho de boas intenções mal-equacionadas. A primeira proposta é a de alargamento da base das transferências constitucionais a Estados e municípios. A partir do governo Fernando Henrique Cardoso, a arrecadação federal passou a depender mais das contribuições, que não são repartidas, em detrimento dos impostos. Isso diminuiu o bolo dos Estados e municípios no montante da arrecadação federal. Todo mundo promete a prefeitos e governadores reverter essa injustiça federativa e depois, sob a premência de gerar superávits fiscais, a promessa cai no esquecimento.

A hipótese de que o PFL use a reforma da Previdência para gerar recursos que sustentem seu pacote de bondades, fica descartada logo no primeiro item da proposta. Sugere-se uma renda mínima não-contributiva para idosos, a ser financiada pelo Orçamento Federal e corrigida pelo INPC. Além de fantasiosa do ponto de vista fiscal, a proposta chove no molhado da Loas. No restante, há propostas aceitas até pelo ministro da Coordenação Política, Tarso Genro, como a idade mínima para aposentadoria tanto de homens quanto de mulheres.

A principal armadilha de 2007 é o engessamento do Orçamento premido, principalmente, pelo aumento do salário mínimo e, por outro, pela necessidade de renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e da Desvinculação das Receitas da União (DRU). O aumento do mínimo já pegou o ano de 2006 andando e apenas no próximo é que terá impacto fiscal de janeiro a dezembro. Já é um grande avanço que o principal partido conservador do país não questione a recuperação do seu valor e defenda a ampliação dos programas sociais. O que falta, ao PFL e a todos os demais, principalmente o do governo, é mostrar ao bem intencionado eleitor como vai ser possível fechar as contas com tantas bondades.