Título: A Europa e o balanço da política externa do Brasil
Autor: Saraiva, José Flávio Sombra
Fonte: Correio Braziliense, 29/08/2010, Opinião, p. 2

Ph. D. pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, professor titular de relações internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq

Fim de verão na Europa. Nem a estação das férias amenizou o calor da psicologia da crise. A quadra outonal não promete reversão do quadro de sufoco, mesmo com a operação alemã de resgate da dignidade abalada.

As universidades europeias, nos primeiros dias de setembro, iniciam o ano acadêmico de 2010-2011. Desponta a curiosidade crescente em torno do Brasil. Eleições presidenciais, invasão de turbas consumistas brasileiras nas lojas europeias, elevação do patamar da inserção internacional de um jovem país, tudo chama a atenção do cidadão educado europeu acerca do longínquo país-baleia da América Latina.

O Brasil, formado em parte pelos valores transplantados da Europa, é a bola da vez. Interessam-se professores, alunos, políticos e agentes do mercado pelo destino do país que, finalmente, há quase 20 anos, mantém política econômica de normalização esperada pela maioria esclarecida de sua população. Deixou o Brasil de ser esmoler no mundo. Mais recentemente, nas ondas do ciclo virtuoso do mundo, foi capaz de avançar adensamento empresarial e de manter algum conteúdo nacional ao seu parque semi-industrial. Especialmente aprofundou a agenda social.

O que ocorre no Brasil? É singular a elevação do patamar da economia brasileira? Ou apenas acompanha o ciclo da região latino-americana de crescimento, do México à Patagônia, independentemente dos diferentes governos? Há sustentabilidade para a quadra que se instalou no crescimento vibrante, em contraste com a elevação modesta do PIB europeu? É apenas uma onda passageira que, ao se formar, inicia seu próprio declínio?

Temas esses, entre outros, como o das relações internacionais do Brasil, são os que movem levas de professores e especialistas brasileiros aos mais diferentes institutos europeus voltados para o tema da política exterior. Há curiosidade em torno do que é novo na política externa do Brasil. E há uma preocupação ante o aumento de poder desejado pelo Brasil no sistema internacional. Do congresso mundial de historiadores na Universidade de Amsterdã, evento que ocorre a cada cinco anos e reúne centenas de historiadores de todos os países, ao seminário acerca da política externa da era Lula na Universidade Strasburgo, está em escrutínio a inserção internacional do Brasil do início do século 21.

Todos reconhecem a ampliação do raio da ação externa do Estado brasileiro nas duas últimas décadas. Para alguns professores, é elevação além dos seus meios, o que levará naturalmente a certo desgaste pelas frustrações dos resultados. As complicações do Brasil nos casos iraniano, hondurenho e cubano demonstrariam esse descompasso na política externa. As dificuldades no campo nebuloso do tratamento dos temas dos direitos humanos ou mesmo da relativização do conceito da democracia, que serve para alguns casos e não para outros, tornaria vulnerável o papel de soft power do Brasil. E sacrificou para a década vindoura o sonho da cadeira permanente no diretório onusiano.

Para outros, o Brasil, como um novo intruso nas relações internacionais do início do século, como foi a Alemanha na segunda metade do século 19 na própria Europa, tem que correr risco para garantir ao longo das próximas décadas mais presença no coração das decisões internacionais. Exemplificam-se os esforços do G-20 financeiro, mais que dos Bric ou Ibas.

Em síntese, o mais relevante é a curiosidade ampliada da presença brasileira no mundo. A Europa acompanha com crescente interesse a elevação gradual do seu filho pródigo, que retorna ao lar seguro, embora não mais nas velas rotas das antigas navegações. Passamos a ser mais ouvidos. Agora anotam nossos colegas europeus o que dizemos. O real significado de tudo isso, certamente só a história será capaz de dizer.