Título: Governo dá aumento e propõe plano de carreira único ao funcionalismo
Autor: Mônica Izaguirre, Paulo de Tarso Lyra e Arnaldo Ga
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2006, Brasil, p. A3
No mesmo dia em que o governo anunciou aumentos salariais para mais de 160 mil servidores públicos do Executivo, o presidente Lula propôs, ontem, a criação de um plano de carreira unificado para o funcionalismo dos três poderes da República. A proposta foi lançada numa reunião com os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
Essa seria uma forma de reduzir a distância entre os salários do Executivo e os dos demais poderes, que pagam bem mais para servidores de mesmo grau de escolaridade. Um indicador dessa diferença é a despesa média por funcionário. Segundo o último Boletim Estatístico de Pessoal publicado pelo governo, enquanto o Executivo gastou, em média, R$ 3.361,00 mensais por servidor em 2005, no Judiciário e Legislativo essa média chegou, respectivamente, a R$ 9.096,00 e a R$ 9.230,00.
Preocupado em evitar o aprofundamento desse fosso salarial, durante a reunião de ontem, Lula fez um apelo aos chefes dos demais poderes para segurar os aumentos de remuneração de seus servidores, informou uma fonte governamental.
Os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, participaram do encontro, ocorrido no Palácio do Planalto. Para discutir a criação de uma carreira unificada, decidiu-se formar um grupo de trabalho, com representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário, sem data para conclusão dos trabalhos.
Mantega disse que o objetivo do governo, ao propor um plano único de remuneração dos servidores dos três poderes, é corrigir distorções. Há, segundo ele, uma influência mútua de aumentos salariais decididos sem coordenação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. " Cada poder acaba dando aumentos ou tendo situações de carreira díspares. Queremos um trabalho sintonizado de modo que o funcionalismo tenha menos diferenças entre os três poderes, que todos tenham planos de carreira, sejam estimulados a trabalhar bem, recebam boa remuneração, mas que não haja distorções " , justificou o ministro.
Os aumentos salariais anunciados pelo governo vão custar aos contribuintes R$ 1,61 bilhão por ano a partir de 2007. Esse será o impacto da Medida Provisória 295, publicada ontem pelo " Diário Oficial da União " , quando os aumentos se refletirem plenamente nas despesas anuais da União com pessoal, informou o Ministério do Planejamento. Em 2006, ano em que pegará apenas parte das folhas mensais de pagamento, a decisão já terá um custo de R$ 1,39 bilhão aos cofres federais.
Mais de 160 mil funcionários de seis categorias do Poder Executivo foram beneficiados, com aumentos que variam de 10% a 20%, em alguns casos indiretamente, via reforço de gratificações. Para algumas categorias, a recomposição salarial será retroativa - dependendo do caso a janeiro, fevereiro ou maio de 2006. Esta é a razão pela qual a maior parte do impacto sobre o valor anual da folha de pessoal já acontece a partir deste ano.
Segundo o Ministério do Planejamento, a MP é parte de um plano maior de " correção de distorções nas tabelas de remuneração do Poder Executivo " e decorre do cumprimento de acordos negociados com entidades sindicais de servidores públicos. Até o fim de junho, mais cinco medidas provisórias serão editadas, abrangendo outros segmentos do funcionalismo. Já previsto no Orçamento, o impacto de todas elas nas despesas da União com pessoal em 2006 deve chegar a R$ 3,6 bilhões.
Ao comentar a publicação da MP 295, Guido Mantega disse que a medida já é um movimento para sintonizar os poderes e não causar desequilíbrios fiscais, evitando a perda de controle sobre os gastos de funcionalismo. Ao mesmo tempo, o governo quer estimular os servidores a trabalharem bem e em melhores condições.
O governo decidiu usar Medida Provisória, em vez de projetos de lei, em função do ano eleitoral e do atraso na aprovação do Orçamento para 2006, cuja sanção só foi possível em 17 de maio. A Lei de Responsabilidade Fiscal não permite aumento de despesas de pessoal nos últimos seis meses do mandato do presidente da República. Pelo mesmo motivo, as outras cinco MPs previstas terão que ser assinada pelo presidente Lula até fim de junho.
De acordo com o porta-voz da presidência da República, André Singer, o encontro entre Lula e os chefes do Judiciário e Legislativo limitou-se a discutir " estruturalmente " a situação dos servidores. " Não foram discutidas questões conjunturais, pontuais, como reajustes das categorias " , informou
Sobre os resultados práticos do grupo de trabalho anunciado, Singer adianta que a expectativa é de um desfecho o mais rápido possível. " O encontro foi aberto com uma análise, feita pelo ministro Paulo Bernardo, da situação dos servidores públicos federais. A intenção é corrigir as distorções existentes atualmente " , declarou ele.
Segundo Singer, os debates ainda são embrionários. " O grupo foi formado justamente para estabelecer um diagnóstico. É bem diferente de imaginarmos que o Executivo tinha uma proposta pronta para ser apresentada aos demais poderes " , completou.
Singer disse que a intenção é permitir que o funcionalismo público federal torne-se mais eficiente e equilibrado. Segundo ele, as conversas não passaram pela necessidade de uma nova reforma da previdência nem por um debate sobre a unificação do teto salarial do funcionalismo, hoje limitado pelos vencimentos de um ministro do STF - aproximadamente R$ 24 mil. O porta-voz também não soube responder se eventuais mudanças de regras atingiriam apenas os futuros servidores ou seriam retroativas aos funcionários da ativa.