Título: Nenhuma agência está com diretoria completa
Autor: Francisco Góes e Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2006, Brasil, p. A4

A demora na nomeação e na aprovação de diretores para as agências reguladoras põe em risco projetos de investimento no país e já afeta os segmentos de energia elétrica, petróleo, portos e navegação marítima, entre outros.

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) estão virtualmente paralisadas. Já a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) trabalham no limite, com três diretores cada em diretorias que deveriam ser formadas por cinco integrantes. Na Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), um diretor responde atualmente pela presidência, vaga desde o encerramento do mandato do ex-presidente Elifas Gurgel, em 3 de novembro de 2005.

A realidade é, portanto, inversa ao discurso oficial de fortalecer as agências, cujos orçamentos são contingenciados e as funções, esvaziadas. A legislação exige que qualquer decisão tomada pelo órgão precisa ser fruto da concordância da maioria, ou seja, três diretores.

Na atual situação vivida pela Aneel e pela ANTT, se houver discordância sobre qualquer assunto ele tem de ser retirado da pauta, o que pode atrasar decisões e colocar em xeque novos investimentos. Na ANP a situação é ainda pior. Com apenas dois diretores, a diretoria não se reúne por falta de quórum para deliberar.

A ex-procuradora da ANP Sonia Agel teme pelas novas rodadas de licitações, ambas com data marcada (para 28 de junho e agosto), e fruto de decisão de apenas dois membros, o diretor-geral, Haroldo Lima, e o diretor Newton Monteiro. "Todos os atos da diretoria da ANP depois da saída de Victor Martins podem ter sua legitimidade questionada porque foram decididos sem quórum qualificado e não têm a aprovação da diretoria colegiada", afirma Sonia, para quem qualquer investidor com interesses não atendidos pode anular o resultado das licitações.

A situação na ANP se agravou com o afastamento, em 31 de março, de Victor Martins. O governo pediu sua recondução no mesmo dia, mas seu nome, assim como o do novo diretor indicado, Nelson Narciso Filho, precisa ser aprovado pelo plenário do Senado. Além disso, a diretoria tem outra vaga aberta há três anos. A situação intriga o próprio diretor-geral da ANP, interlocutor freqüente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Desde que assumi o cargo todo o discurso que vem do governo é no sentido de fortalecer as agências, não só essa, mas todas. Agora, se você me pergunta sobre os diretores, eu respondo dizendo que acho que existe uma falha do governo. Na verdade foi uma falta de habilidade o que aconteceu. Não me parece que seja de propósito, deliberado e para enfraquecer e desmerecer", afirma ele.

O caso extremo é o da Antaq, sem nenhum diretor nomeado desde fevereiro deste ano. A vacância na diretoria colegiada da Antaq impede a agência de conceder autorizações para a operação de novos terminais privativos. A Empresa Brasileira de Terminais Portuários, que tem projeto para um terminal portuário de uso múltiplo em Santos (SP) com investimentos estimados em R$ 181 milhões, está apta a receber a outorga da Antaq desde o início do ano, mas não consegue a autorização porque a agência está acéfala.

A Antaq também não tem como autorizar a operação de novas empresas de navegação em processos já analisados pela área técnica. "Fiscalizamos, mas não temos como abrir processos administrativos", diz Ana Maria Pinto Canellas, superintendente da área de navegação da Antaq.

A Procuradoria Geral da agência e suas superintendências devem enviar carta ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao ministro dos Transportes relatando a gravidade da situação. Dos três nomes indicados pelo Executivo para a diretoria da Antaq, dois já foram sabatinados na comissão de infra-estrutura do Senado, que também precisa analisar os indicados para a ANP e Aneel. O problema é que no plenário a pauta está "trancada" por três medidas provisórias.

Na Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), o diretor Plínio de Aguiar Júnior está respondendo pela presidência, vaga desde o encerramento do mandato de Elifas Gurgel, há mais de seis meses. Aguiar, cujo mandato se encerra apenas em 2009, exerce o cargo de substituto eventual do presidente. Com isso, foi aberta uma vaga na diretoria, que está sendo preenchida por um rodízio dos participantes de uma lista tríplice composta por gerentes-gerais ou superintendentes da autarquia.

Jerson Kelman, presidente da Aneel, diz que a carga horária tem sido extenuante. "A carga de trabalho é muito intensa para se suprir a deficiência de quadros e mais grave do que isso tem sido a debandada de superintendentes, cujos cargos comissionados não têm aumento há oito anos", afirma ele.

O advogado Alexandre Aragão, do escritório Rennó, Aragão e Lopes da Costa Advogados, e professor de direito administrativo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) diz que o ideal seria prorrogar o mandato dos diretores das agências até a nomeação dos substitutos para manter o quórum e evitar a vacância de poder. "É preciso avançar no modelo independente e transparente de regulação e não voltar ao modelo de regulação estatal", diz Aragão. Para ele, o vazio nas diretorias das agências denota a intenção do governo de enfraquecer o modelo de regulação independente.

Sérgio Guerra, da FGV-Direito-Rio, vê dois caminhos para o governo reduzir o poder das agências: o primeiro passa pela alteração do modelo regulatório, o que afasta o investimento estrangeiro. Esse rumo foi abandonado pelo governo após a mudança que tirou o poder concedente da Aneel, a qual passou a atuar por delegação do Ministério de Minas e Energia.

Além da asfixia por falta de indicação de diretores, outra estratégia do governo para isolar as agências tem sido manter seus orçamentos contingenciados. "Os investidores acompanham estes movimentos que trazem insegurança jurídica à atração de investimentos nos setores produtivos", diz Guerra.