Título: Crise e crescimento de longo prazo
Autor: Megale, Caio
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2011, Opinião, p. A8

Durante a crise global que sucedeu a quebra do banco americano Lehman Brothers, o CEO da Pimco, Mohammed El-Erian, vaticinou: esta crise muda o destino das economias centrais. Três anos depois, a previsão parece acertada. Apesar de todo o estímulo monetário e fiscal, o crescimento econômico nos EUA e na Europa foi pífio e as taxas de desemprego seguem elevadas. Muitos dos países desenvolvidos sofreram rebaixamento de sua classificação de risco, dado o alto nível do endividamento público.

E, quando olhamos para frente, o quadro não parece animador. Especialmente na Europa, que hoje vive um quadro parecido com o da América Latina dos anos 80: crise de solvência soberana, economias ineficientes e pouco competitivas, sistema financeiro fragilizado. Possivelmente, o continente está no início de sua década perdida.

O mesmo, no entanto, não acontece com algumas economias emergentes. Munidos de fundamentos sólidos forjados nas reformas estruturais e no crescimento inclusivo das últimas duas décadas, o rumo dessas economias não foi alterado. Naturalmente, dados o stress e a aversão ao risco que contaminaram o mundo na virada de 2008 para 2009, esses países não escaparam de uma abrupta parada de crescimento - mas que foi rapidamente revertida com corte de juros e expansão fiscal.

É necessário manter os avanços e aprofundar as reformas para garantir altas taxas de expansão

O Brasil é um exemplo claro. De acordo com a pesquisa Focus do Banco Central, a projeção de crescimento médio para os anos de 2007 a 2011, feita em março de 2007, era de 3,8%. Se a projeção coletada hoje de 3,6% para 2011 se confirmar, o crescimento médio observado para o período terá sido de 4,3%. Ou seja, apesar de termos passado pela maior crise financeira da história recente - algo que certamente não estava contemplado nas projeções feitas no início de 2007 -, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foi até um pouco superior ao que se previa.

Os fundamentos que permitiram essa performance têm diversos aspectos. Em primeiro lugar, o país conta com um sistema financeiro sólido e bem regulado, herança das reformas dos anos 90. Em segundo, nossas contas externas estão sólidas, beneficiadas, entre outras razões, pela política prudente de acumulação de reservas dos últimos anos. Em terceiro, a política fiscal conservadora que vigorou até 2008 deixou espaço para a expansão de gastos ocorrida durante a crise, sem colocar em risco a dinâmica do endividamento brasileiro. Em quarto, a sólida credibilidade do Banco Central, construída pelo sucesso do regime de Metas para Inflação. Finalmente a política social ativa, que, combinada com o ambiente de inflação baixa e o desenvolvimento do crédito, permitiu o florescimento de um mercado de consumidor amplo e com potencial de crescimento.

O bom ambiente macroeconômico descrito acima amorteceu o impacto da crise externa e fez com que os canais de transmissão da política econômica estivessem em bom funcionamento. Em outras palavras, a demanda interna reage prontamente ao estímulo de corte de juros, redução de impostos e melhores condições de crédito, impulsionando o crescimento econômico. A crise gerou volatilidade, mas não foi capaz de tirar a economia brasileira do rumo que vinha seguindo.

Olhando para a frente, a crise que se abate sobre a Europa tem o potencial de provocar um choque financeiro aos moldes do ocorrido no final de 2008. A exposição de bancos privados à dívida de países insolventes como Grécia e Portugal não é pequena, tornando-os vulnerável a uma provável moratória. Se isso acontecer, o mundo dificilmente escapará de um novo credit crunch, e a recessão econômica pode se alastrar pelo mundo todo. Ainda que esse cenário de ruptura não aconteça, a alta incerteza e a necessidade de recapitalização do sistema financeiro acabam pesando sobre o crescimento. Em outras palavras, 2012 tende a ser, no mínimo, um ano de crescimento mundial baixo, e com reflexos sobre o Brasil.

Conseguiremos novamente resistir à crise global, mantendo a capacidade de crescimento no longo prazo? Tudo indica que sim. Os fundamentos que pavimentaram o desenvolvimento brasileiro dos últimos anos continuam presentes, especialmente no que diz respeito ao potencial do mercado doméstico e à boa forma das nossas contas externas. É importante que a condução da política econômica no futuro preserve esses pilares.

O país ainda tem se beneficiado do acelerado influxo de investimentos estrangeiros diretos que podem sofrer algum abalo de curto prazo com o aprofundamento da crise, mas tende a se manter ao longo dos anos. Afinal, o Brasil segue como uma das poucas regiões do globo com boas perspectivas de crescimento - e, portanto, de retorno do investimento.

Mas, ao mesmo tempo em que os bons fundamentos de demanda aparecem, também chamam a atenção as restrições de oferta que podem limitar o crescimento ao longo do tempo. Do lado do capital humano, nota-se o mercado de trabalho bastante esticado. Empresas dos mais diversos setores já apontam para dificuldade de contratação. Vivemos um momento favorável do ponto de vista demográfico - o ingresso na força de trabalho é maior do que os que se aposentam -, mas a qualificação deixa a desejar. Essa realidade tem se traduzido em aumentos de salários médios acima da produtividade, pressionando os custos de produção.

As dificuldades de infraestrutura também são evidentes. Temos assistido a um aumento dos investimentos, especialmente com a chegada dos grandes eventos esportivos. Mas nem sempre os dispêndios são focados em projetos que mais alavanquem o crescimento futuro. E a falta de poupança doméstica limita a capacidade de elevar a relação investimentos/PIB, fundamental para elevar o crescimento potencial ao longo do tempo.

Em suma, a crise externa é grave, e 2012 pode ser um ano difícil. Mas os pilares da economia brasileira continuam de pé e devem assegurar que tenhamos uma boa taxa média de crescimento nos próximos anos. Para tal precisamos não só assegurar os ganhos conquistados nas últimas décadas, como avançar nas reformas para que restrições de oferta não reduzam nosso potencial ao longo do tempo.

Caio Megale, mestre em economia pela PUC-RJ, é economista do Itau-Unibanco