Título: Ele quer executar Sakineh
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/08/2010, Mundo, p. 18

Presidente Mahmud Ahmadinejad afirma que não vê necessidade em criar problema algum para Lula e descarta enviar ao Brasil viúva condenada ao apedrejamento. Advogado e ativistas exigem libertação e advertem sobre isolamento internacional, caso ela seja morta

Marina Nemat era apenas uma adolescente quando viu seu destino nas mãos do regime iraniano. Dos 16 aos 18 anos, estive presa no Irã. Fui torturada, estuprada e condenada à morte, afirma ao Correio, por e-mail, a escritora de 45 anos. O pesadelo do passado tornou-a uma mulher crítica, defensora dos direitos humanos e uma das principais vozes contra Teerã. Talvez por isso, a primeira declaração pública do presidente Mahmud Ahmadinejad sobre Sakineh Mohammadi Ashtiani a viúva sentenciada ao apedrejamento tenha sido recebida por ela com sarcasmo e indignação. Em entrevista exclusiva à PressTV, a emissora estatal de seu país, Ahmadinejad descartou enviar Sakineh ao Brasil, na condição de asilada. Acho que não há necessidade de criar problema algum para o presidente Lula e levá-la ao Brasil, afirmou. Estamos ansiosos para exportar a nossa tecnologia para o Brasil, não esse tipo de pessoa. Penso que o problema será resolvido em breve, acrescentou.

Esse tipo de pessoa?, reagiu Marina, sem esconder a revolta. Sakineh é uma mulher comum, mãe de dois filhos que a amam e que têm implorado ao mundo para salvá-la, desabafa a ex-prisioneira. A reportagem entrou em contato com o Itamaraty e foi informada de que o apelo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, transmitido pelo embaixador do Brasil em Teerã, Antonio Salgado, ao vice-ministro interino para as Américas da chancelaria iraniana está mantido. Na última sexta-feira, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro divulgou nota na qual expressa confiança de que o pedido pela vida de Sakineh e a oferta de asilo recebam a atenção de autoridades iranianas.

Ahmadinejad fez questão de frisar a suposta isenção da Justiça iraniana. Existe uma justiça final e os juízes são independentes. Mas eu conversei com o chefe do Poder Judiciário e do sistema judiciário, e eles também não concordam (com o envio de Sakineh ao Brasil), admitiu. Marina Nemat refuta: O senhor Ahmadinejad chama isso de Justiça? Uma mulher acusada de adultério merece morrer? Por e-mail, a ativista Mina Ahadi, fundadora do Comitê Internacional contra o Apedrejamento concorda com Marina. No Irã não existe justiça. O regime de exceção tenta matar Sakineh. O sistema é contra o povo e, especialmente, contrário às mulheres. A oferta de asilo foi cancelada porque seria uma ameaça ao governo iraniano, se outras pessoas pretendessem sair do país, em busca de liberdade.

Sem escolha Por telefone, de Oslo, o advogado de Sakineh disse ao Correio que o Irã tem duas formas de resolver a questão. Ou as autoridades consideram Sakineh Mohammadi inocente ou lhe concedem a anistia, retirando a pena de morte. Ela não pode ser mantida presa por 20 anos, explicou Mohammad Mostafaei. Quando Ahmadinejad afirma querer resolver o problema, precisa saber que muitos países apoiam Sakineh, acrescentou. Mostafaei lembrou que a lei iraniana não deixa brechas para que o regime aceite o asilo oferecido pelo Brasil. Quando Sakineh for libertada da prisão de Tabriz, ela e sua família poderão ir ao Brasil, admitiu. Ele adverte que, se o Irã executá-la, a relação com outras nações sofrerá danos.

A Embaixada do Irã em Brasília divulgou um comunicado no qual busca esclarecer a opinião pública sobre o processo. Segundo a representação, a sentença e sua aplicação baseada nos preceitos islâmicos são um processo muito demorado. E acusa pessoas no Brasil de usarem o tema como instrumento eleitoral. Por fim, sugere reflexões sobre a presença de Sakineh em território brasileiro. Será que esse ato não promoverá e não encorajará criminosos a praticar crimes? Será que esse tipo de tratamento poderia diminuir o sofrimento das famílias da vítima? Será que a sociedade brasileira e o Brasil têm que ter, no futuro, um lugar dos criminosos de outros países em seu território?, questiona.

Estamos ansiosos para exportar a nossa tecnologia para o Brasil, não esse tipo de pessoas

Acho que não há necessidade de criar problema algum para o presidente Lula e levá-la ao Brasil

Eu conversei com o chefe do Poder Judiciário e do sistema judiciário, e eles também não concordam

Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã, referindo-se à viúva Sakineh Mohammadi Ashtiani, sentenciada à morte

Urânio ainda é meta

Em menos de um ano, o Irã terá um novo local para enriquecer urânio. Divulgada ontem por Ali Akbar Salehi diretor da Organização Iraniana de Energia Atômica (OEA) , a notícia soou mais como um instrumento de barganha do que uma ameaça crível entre analistas consultados pelo Correio. Acabamos de determinar a localização de 10 novas áreas de enriquecimento, que serão construídas, disse Salehi, citado pela agência France-Presse. A construção de uma delas começará antes do fim deste ano iraniano (20 de março de 2011) ou no início do próximo ano, acrescentou, garantindo que o local será à prova de bombardeios. Em 2009, o presidente Mahmud Ahmadinejad já havia revelado a intenção de construir 10 usinas para enriquecer urânio a 20%.

Para o iraniano Ali Alfoneh, analista do American Entreprise Institute (em Washington), o anúncio do regime iraniano foi direcionado a duas audiências distintas. A mensagem comunicou ao público interno que o Irã é poderoso e capaz de desafiar a pressão externa, explicou. A declaração (de Salehi) transmite uma mensagem enganosa de que o país está pronto a negociar a troca de combustível nuclear. No entanto, se o Ocidente se negar a fornecer o combustível, Teerã aumentará a quantidade de instalações de enriquecimento (de urânio), sustenta o especialista. Ele pontua que a falta de uma ameaça real de uso da força militar contra o Irã faz com que Ahmadinejad se sinta pouco estimulado em cooperar com o tema da crise nuclear.

Estratégia De acordo com o também iraniano Farideh Farhi, cientista político da Universidade do Havaí, a suposta construção de 10 centros de processamento de urânio faz parte de uma estratégia de pré-negociação. Uma nova rodada de negociações sobre o programa nuclear terá início em setembro. O que o Irã tenta fazer é sugerir que, se algum tipo de compromisso não for alcançado, o enriquecimento de urânio se expandirá, observa. Farhi acredita que Teerã firmará um acordo com o Ocidente, no qual se comprometerá a enriquecer urânio em baixos níveis e a permitir um sistema intrusivo de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Atualmente, o Irã enriquece urânio na usina de Natanz (centro) e está construindo uma segunda central em Fordo (sudoeste da capital). (RC)

Análise da notícia

Negócios, negócios

A resposta do presidente Mahmud Ahmadinejad ao colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, traz uma mensagem implícita: os negócios se sobrepõem à amizade. Ainda que de forma sutil, o líder iraniano denunciou a intrusão do Brasil nos assuntos internos de seu país. O fato de Lula ter recebido Ahmadinejad em Brasília com tapinhas nas costas e firmado um acordo para tentar livrá-lo das sanções da ONU não soou, para Teerã, como uma licença prévia para o Brasil se aventurar em temas alheios.

A busca de Lula pelo maior protagonismo do Brasil no cenário diplomático externo, ao tentar salvar Sakineh, pode ter sido prejudicial, sob o ponto de vista político. Ficou a ideia de que o presidente brasileiro se aliou a um líder que não se comove com gestos humanitários, desrespeita os direitos humanos e atropela o multilateralismo, ao desafiar o mundo com seu programa de enriquecimento de urânio. (RC)

Eu acho...

Ao acusarem falsamente Sakineh, as autoridades iranianas apenas mostram ao mundo sua crueldade. Eu hospedaria com prazer Sakineh em minha casa, mas jamais estenderia essa oferta ao senhor Ahmadinejad. Eu insisto para que o governo do Irã pare com essa loucura. Ao ferir uma inocente, ele apenas se amaldiçoa e vira a população do mundo inteiro contra si

Marina Nemat, ex-sentenciada à morte no Irã