Título: Mais R$ 8,7 bi de salários em uma penada
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Fonte: Valor Econômico, 26/05/2006, Brasil, p. A2
Em um projeto de lei e seis medidas provisórias, governo e Congresso pretendem aumentar o gasto com a folha de pagamento em mais R$ 8,7 bilhões. O projeto de lei nº 5.845, de autoria do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovado dia 17 na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, e agora tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da casa, reestrutura o plano de carreira do Poder Judiciário, beneficiando cerca de 100 mil funcionários ao custo de R$ 5,2 bilhões.
As medidas provisórias que serão editadas pelo Poder Executivo nos próximos dias, ao preço de cerca de R$ 3,5 bilhões este ano, corrigem salários e reestruturam carreiras de aproximadamente 30 categorias - professores universitários, funcionários do Inmetro, Banco Central do Brasil, Polícia Federal - e reajustam os vencimentos de mais de 290 mil servidores do Plano de Classificação de Cargos (PCC), os conhecidos como "barnabés", abarcando um total de quase um milhão de funcionários. Embora cada caso seja um caso e há, na conta das MPs, benefícios que serão pagos uma só vez, o valor da despesa com essas medidas para 2007, quando valerão para todo o ano, será mais salgado.
As negociações ainda estão em curso e as medidas provisórias em elaboração têm que ser enviadas ao Congresso Nacional até dia 31 de junho, por causa das restrições da legislação eleitoral. Como os reajustes têm que estar autorizados até esse prazo, o governo optou por medidas provisórias e não por projetos de lei. Os recursos para pagar as MPs estão previstos no orçamento deste ano. Os do Judiciário, não. Foi por isso, entre outras razões, que o limite de pagamento de despesas discricionárias foi fixado em R$ 5,6 bilhões a menos que o teto de empenhos. Uma precaução para a possibilidade dos gastos com pessoal extrapolarem o que já está orçado.
Com as medidas provisórias o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quita a promessa, feita recentemente, de não deixar uma só categoria de funcionários públicos sem a reposição da inflação acumulada nos quatro anos de seu mandato e completa o que o governo entende como uma grande reestruturação do setor público, que considerava sucateado, com contratações de cerca de 80 mil funcionários por concurso e rearranjo de praticamente todas as carreiras. Até agora o governo já concedeu 44 reajustes salariais a 27 carreiras. As contratações e os reajustes já autorizados provocaram aumento de R$ 23,5 bilhões na despesa anual total da União com pessoal desde 2003.
A maior dor de cabeça para o Executivo, porém, está sendo a negociação com o STF, dado que é muito dinheiro (R$ 5,2 bilhões) para poucos funcionários (uns 100 mil) e, pela proposta, vai elevar o salário de um servidor de nível médio daquele poder para quase R$ 7 mil. Tal como enviado à CCJ da Câmara, o projeto do relator deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) é de parcelar o gasto com a reestruturação de carreiras na proporção de 30% para o exercício de entrada em vigor da nova lei, 30% para o ano seguinte e 40% para o terceiro ano.
Judiciário pressiona por reajuste de até 114%
A proposta do Supremo recebeu parecer técnico contrário da Comissão de Finanças e Tributação, pois não havia previsão de receitas orçamentárias para arcar com essa despesa adicional de caráter continuado. A relatoria, porém, sensível às demandas daquele poder, recomendou aos técnicos que fizessem outro parecer. Este foi feito sugerindo o parcelamento do pagamento para que se encontre, no período, as receitas necessárias ou se corte despesas em valor equivalente.
A pressão do Judiciário sobre o Congresso tem sido enorme e a própria presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, já foi pessoalmente à Câmara e ao Senado persuadir os parlamentares a aprovarem o projeto de lei.
A justificativa para reajustes que vão de 70% a 114% - totalmente distante do que o setor privado tem concedido nos dissídios e incompatível com a precariedade das finanças públicas - é até singela. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o Judiciário pode gastar com folha de pagamento até 6% da receita líquida. Na análise da receita líquida de 2006, esse poder teria margem para gastar mais R$ 7 bilhões com pessoal. E estão pretendendo aumentar essa despesa em apenas R$ 5,2 bilhões. A proposta recebeu aval do Conselho Nacional de Justiça.
A LRF estabelece um limite máximo, mas não há a menor razão para chegar ao teto de gastos permitido se a estabilidade econômica do país depende de uma política fiscal austera, que está comprometendo a realização de investimentos importantes em infra-estrutura por falta de recursos.
A rigor, está no Judiciário a maior média de salários e vantagens pagas pelo Tesouro Nacional. Enquanto no Poder Executivo o funcionário custa, em média, R$ 3.742,60, no Legislativo esse valor é de R$ 10.800,90 e, no Judiciário, de R$ 12.593,80. Acirrar essa diferença só aumenta a corrida pela isonomia que vem marcando todas as demandas por reajustes salariais nos três poderes.
O ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, abriu negociações com o Supremo Tribunal Federal para tentar reduzir as aspirações por reajustes e alongar o prazo de pagamento para pelo menos quatro anos.
As preocupações da área econômica do governo, porém, encontram pouco eco diante do ambiente político-eleitoral. A proposta do STF tramita em caráter terminativo. Ela ainda será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, se aprovada, não precisará ser submetida a votação em plenário. A hipótese de o governo vetar o projeto de lei é mínima, dado o contencioso que isso criaria com o Judiciário.
O fato de as contas públicas de abril terem sido excepcionais não autoriza que se crie despesas continuadas de forma aleatória e engrossem o já elevado gasto corrente do governo central.