Título: Espaço para queda do juro no Brasil é cada vez maior
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2011, Finanças, p. C4

O espaço para uma redução mais forte da taxa de juros no país está se ampliando. Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio da Mauá Investimentos, hoje o desaquecimento do nível de atividade doméstico ocorre de forma paralela à mudança de estágio e de tamanho da crise na zona do euro. Em algum momento esses dois processos vão se encontrar, abrindo a brecha para uma redução mais ousada da taxa de juros. Para ele, com certeza esse corte poderá ser superior a 300 pontos base na taxa Selic. Embora seja difícil prever, Figueiredo arrisca dizer que a queda dos juros poderá chegar a um total entre 400 e 450 pontos base, o que levaria a Selic para a casa dos 8% ao ano em 2012, dependendo de quão crônica for a crise na Europa.

Uma parte desse corte seria temporária, mas outra parte - uns 200 a 250 pontos - seria permanente, representando, de fato, diminuição da taxa neutra de juros no país. Dependendo dos desdobramentos da crise europeia, do baixo crescimento nos Estados Unidos e da desaceleração na China, "mesmo essa parte não permanente de queda da Selic pode ter longa duração", disse ele.

Para Figueiredo, o mercado subestimou os efeitos de uma mudança substancial na gestão da política econômica: o fato de todos os instrumentos - fiscais, parafiscais e monetários - estarem agindo na mesma direção pela primeira vez na história recente. O Banco Central aumentou os compulsórios, tomou medidas macroprudenciais cujo impacto foi bem superior ao que os bancos imaginavam e aumentou os juros para combater a aceleração inflacionária.

Já o Ministério da Fazenda está cumprindo rigorosamente a meta fiscal, o que também ajuda, e muito, no controle da inflação. De 2010 para este ano, a contração fiscal foi equivalente a 2 pontos percentuais do PIB, o crédito do BNDES este ano é bem menor e, na margem, Banco do Brasil e Caixa também estão crescendo menos do que no ano de 2010.

"Isso multiplicou o efeito da política monetária", avaliou.

Como consequência dessa subavaliação, há dois ou três meses ninguém pensava que o Produto Interno Bruto (PIB) poderia ficar muito próximo de zero no terceiro e quarto trimestres deste ano. Aliás, o ex-diretor do BC não descarta a hipótese de ocorrer, inclusive, uma recessão técnica, com esses dois trimestres de PIB ligeiramente negativos.

"A queda do nivel de atividade no terceiro trimestre surpreendeu a todos, até os mais pessimistas", comentou. Só com as medidas fiscais e monetárias tomadas desde o início do ano, a atividade saiu de uma taxa de crescimento de 4,5% no primeiro trimestre para 3,6% no segundo e zero no terceiro. A Mauá, particularmente, espera uma retração de 0,2% no terceiro trimestre e zero de crescimento nos ultimos três meses do ano.

Isso deverá levar o mercado a uma convergência mais rápida da expectativa de inflação que, segundo ele, pode fechar 2012 em algo entre 4,5% e 5% - e este seria um resultado muito bom. Significaria que, em doze meses, o IPCA sairia de 7,3 % para o patamar entre 4,5% e 5%.

Há seis meses, salienta Figueiredo, a inflação do IPCA já está na faixa de 5%.

"O BC fez o diagnóstico correto. Hoje temos que nos curvar ao que está acontecendo", comentou ele que foi um dos primeiros, no mercado, a apoiar a redução dos juros em agosto passado, quando o Comitê de Política Monetária cortou a Selic em 0,5 ponto percentual.

Um dos efeitos das medidas macroprudenciais foi bater direto nas vendas da indústria automobilística que, embora tenha reduzido sua produção, ainda está com estoques elevados. Segundo ele, em tempos de normalidade dos financiamentos, de cada 100 pessoas que procuram comprar um automóvel novo, entre 70 e 75 conseguem contratar o empréstimo.

Hoje esse percentual caiu muito e de cada 100 potenciais compradores, apenas 25 a 28 pessoas estão obtendo o crédito.

Figueiredo disse que há vários casos na história recente de países que aproveitaram os momentos de crise para diminuir os juros domésticos e, agora, essa é uma oportunidade que se abre para o Brasil. Para isso, será necessário perseverar no mix de política econômica que privilegiou o rigor fiscal este ano para, em troca, poder cortar a taxa Selic. "E os sinais são de que o governo ficará firme na meta fiscal de 2012", já estabelecida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em um superávit primário de 3,1% do PIB.

O ex-diretor do BC considera, porém, que se a Europa entrar de fato em colapso e a economia brasileira der sinais de que vai crescer na casa dos 2%, o governo da presidente Dilma Rousseff poderá até afrouxar um pouco o compromisso fiscal para o ano que vem. A visão que Figueiredo tem do cenário internacional é que, com a situação da Itália, que está sem acesso aos mercados, a crise europeia mudou de etapa e de dimensão, saindo dos países da periferia para o coração da zona do euro, que já está em processo recessivo.

No Brasil, essa situação até o momento afetou os indicadores de confiança e o mercado de ativos. Começam a surgir, porém, indicações de que as linhas de financiamento ao comércio exterior (ACCs e ACEs) já estão com rolagem parcial, inferiores aos vencimentos.

Os bancos europeus respondem por cerca de 70% do crédito aos países emergentes. Com a gravidade da situação do sistema bancário da zona do euro, o encolhimento do crédito ao país será um efeito quase que natural. "O contágio será um processo lento, mas vai acontecer e será diferente de 2008, quando houve uma parada abrupta dos financiamentos externos", acredita.