Título: No Rio, oligarquias se associam com a nova violência
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2006, Política, p. A7

A criminalidade já está enraizada na representação política do Estado do Rio de janeiro, do nível municipal ao federal, e tem amplas possibilidades de ampliar essa presença. Esse é o ponto de vista de acadêmicos e políticos ouvidos pelo Valor.

Nelson Perez/Valor Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): "a adaptação pode ser sumir, encolher ou entrar em acordo" As variações entre as análises feitas não chegam a expressar divergências de fundo, mas diferenças conceituais sobre o que vem a ser o crime organizado. Ficou evidente também que a maioria sabe onde estão os focos da criminalidade que já infectaram as instituições fluminenses, embora falte a comprovação que permita dar o nome de cada um.

O sociólogo Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro de uma comissão federal que investiga crimes de execução sumária na Baixada Fluminense, disse que no trabalho que o grupo vem fazendo "fica evidente que existe uma rede de dominação política que faz uso da violência para manter o poder. Segundo ele, "há vereadores, prefeitos e deputados" envolvidos com essa prática.

Hoje, depois da ascensão do tráfico de drogas em grande parte dos redutos eleitorais dessas lideranças tradicionais, Cano enxerga uma associação dessas espécies de oligarquias com as novas lideranças armadas como meio de sobrevivência. "A adaptação pode ser sumir, encolher ou entrar em acordo", disse o sociólogo.

Defensor do direito de voto dos presos, Cano não vê "nada de negativo" na hipótese de a população carcerária vir a ter representantes parlamentares, dentro da tradição corporativista da sociedade brasileira. Ele duvida que esses representantes se cristalizem como defensores dos interesses do crime organizado. No seu ponto de vista, quem se expuser a isso tende a fazer uma curta trajetória política.

O deputado federal Alexandre Cardoso, líder do PSB na Câmara, disse que os centros sociais ligados a políticos que proliferam nas favelas do Rio podem ser trilhas que levem a associações da política eleitoral com o narcotráfico. Segundo o deputado, como boa parte dessas instituições só poderiam funcionar com o consentimento dos traficantes, em épocas eleitorais algumas comunidades se transformariam em redutos exclusivos de alguns políticos. Outros candidatos seriam impedidos de fazer campanha.

São fortes os rumores na Câmara de que dos 46 deputados federais fluminenses, pelo menos seis teriam esses verdadeiros currais eleitorais urbanos, transplantando, na imagem do sociólogo Cano, o antigo coronelismo rural para a periferia urbana do Rio de Janeiro.

A deputada federal e juíza Denise Frossard (PPS-RJ), acha que a criminalidade tem uma relação "transversal", ou seja, se cruza com o poder político em algum ponto, no Rio e no Brasil. A deputada sugere vasculhar os financiamentos de campanha como um dos caminhos para comprovar as ligações de políticos com o crime. Mas discorda que denominações criminosas como o paulista PCC ou o carioca Comando Vermelho tenham o poder e a organização de máfias como eram os antigos bicheiros e sejam hoje seus sucessores no grande comércio de armas, de drogas e no contrabando.

O deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), ex-procurador-Geral de Justiça do Rio reforça as afirmações de Alexandre Cardoso sobre a existência de políticos que se elegem em parceria com o crime. Biscaia vê os traficantes urbanos do Rio e de outras cidades com reais possibilidades de elegerem representações políticas próprias. "Progressivamente, estão avançando. Hoje políticos buscam o apoio dos traficantes para se elegerem. Daqui a pouco, se não for dada prioridade para a segurança, teremos no Congresso uma bancada da criminalidade", afirmou. Para a antropóloga Alba Zaluar, estudiosa da criminalidade no Rio, "todo mundo que tem dinheiro pode influenciar no processo eleitoral". (Colaborou César Felício, de São Paulo)