Título: "Bancada do Crime" é um risco real
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2006, Política, p. A7
Entre políticos e especialistas, o prognóstico é praticamente unânime: o risco de eleger-se em outubro deputados com alguma vinculação com o crime organizado ou esquemas clandestinos é muito alto. A razão principal, paradoxalmente, é o repúdio do eleitorado à atual legislatura, em função das absolvições em plenário dos acusados de envolvimento no mensalão. Este repúdio deve levar a uma maior renovação da Câmara e a um alto índice de votos brancos e nulos, favorecendo a eleição de parlamentares menos conhecidos.
"O ambiente nunca esteve tão propício ao ingresso de aventureiros", comenta o cientista político e diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, para quem "a alta renovação sempre potencializa o risco". O retrospecto favorece a análise do dirigente do Diap.
Nas últimas quatro legislaturas, a maior renovação foi registrada em 1990: 62% das cadeiras. Foi a Câmara em que os escândalos foram mais abundantes em um passado recente: houve uma cassação por envolvimento com o narcotráfico, seis em razão do escândalo dos anões do Orçamento e três por venda de filiação partidária, além de dez renúncias.
A manutenção da verticalização das coligações e a exigência da cláusula de barreira são outros fatores de perigo, já que incentiva os partidos a se ausentarem da eleição nacional e favorecerem arranjos regionais para eleger maiores bancadas. Até o momento, só há duas candidaturas consolidadas para a eleição presidencial: a do PT e a do PSDB. Voltados para a eleição local e buscando votações expressivas, os partidos menores tendem a ser menos exigentes na hora de definirem seu quadro de candidatos , permitindo a infiltração.
Em São Paulo, a vinculação poderá ser estabelecida por compromissos entre os candidatos e o transporte clandestino. Parlamentares e policiais apontam para ligações entre donos de veículos para este transporte, os chamados "perueiros", com o PCC. Os "perueiros" estão em uma permanente zona de atrito com o poder público, sobretudo prefeituras, abrindo assim brechas para financiamento de campanhas e facilidades de transporte, em troca de proteção.
"Muitos candidatos terão dificuldade de acesso em certas regiões. Não acredito em eleição de candidatos diretamente ligados ao PCC, mas a composição com o mundo político atual pode acontecer", comenta o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), integrante da CPI do Tráfico de Armas.
"A infiltração nas eleições, se ocorrer, deverá se dar pelo transporte clandestino, e será mais difícil de detectar. Ninguém fiscaliza pessoas desconhecidas e o poder financeiro do crime é alto", afirma o deputado Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP), lembrando que na apreensão de livros contábeis do PCC que a Polícia Civil fez em São Paulo mostrou uma arrecadação mensal da ordem de R$ 750 mil.
No depoimento sigiloso à CPI do Tráfico de Armas do diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) de São Paulo, Godofredo Bittencourt, e do delegado da Polícia Civil Ruy Ferraz, que terminou parcialmente vazado, os policiais afirmaram aos deputados que o PCC quer participar das eleições com candidatos que o representem.