Título: Já existe lei eleitoral, agora é cuidar da fiscalização
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Fonte: Valor Econômico, 26/05/2006, Opinião, p. A10
A cada crise política, e elas não são poucas, o Legislativo responde com uma sempre maior severidade nas regras eleitorais, sem que isso resulte em processos mais limpos ou transparentes. Essa é uma tendência histórica, quase uma compulsão política dos partidos representados no Congresso: a cada momento de grande comoção da opinião pública com práticas políticas pouco "republicanas", os parlamentares dão ao país, como garantia de que no futuro a política será mais limpa, leis mais rigorosas - e, sob elas, acontece um novo escândalo lá na frente.
O problema do país, na verdade, não é um arcabouço legal frouxo, mas a incapacidade do sistema político de incorporá-lo. A origem dessa quase impermeabilização da política institucional às leis pode não estar simplesmente localizada no Legislativo, nos partidos políticos ou no sistema representativo. Numa democracia, a política provê as instituições - e há inegavelmente uma tolerância delas em relação aos delitos da própria política. Talvez esteja na hora de inverter o debate: em vez de quais leis substituirão as antigas, pensar em como as demais instituições farão de forma mais eficiente o controle legal das eleições e da própria política institucional. Enfim, como submeter a política às leis.
As novas regras eleitorais, que foram aprovadas pelo Congresso, sofreram alguns vetos do Executivo e já estão normatizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, (TSE) podem ser um começo, mas estão longe de ser tudo. A minirreforma pode ser dividida em regras de três naturezas distintas: algumas delas impõem limitações à campanha em si, outras trazem novos controles sobre as finanças de campanha e pelo menos uma delas corrige uma distorção eleitoral. Esta última é a mudança na regra de cálculo para o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão: passará a ser feito pela bancada eleita pelo partido nas eleições anteriores. Hoje o tempo é proporcional à bancada dos partidos na Câmara no início da legislatura. Por decisão do TSE, essa modificação não será aplicada nestas eleições.
As restrições aos gastos eleitorais - como proibição de showmícios, distribuição de brindes e outdoors - terão um efeito maior de reduzir gastos dos próprios partidos do que propriamente moralizadores. Não é o caso das regras impostas às finanças de campanha. A minirreforma definiu punições rígidas para o caixa 2 de campanha e a co-responsabilidade do candidato sobre as contas eleitorais. Embora louvável a medida, é fato que as punições não ocorrerão se a justiça eleitoral não dispuser de independência e, mais ainda, de mecanismos de controle, para detectar os delitos, julgar e punir.
Mais do que uma nova lei, pode vir a ser um marco no processo eleitoral brasileiro uma atuação integrada da justiça eleitoral, da Receita Federal e da própria polícia. O ministro que acabou de deixar a presidência do TSE, Carlos Velloso, avançou bastante os entendimentos com a Receita. Da mesma forma, as normas do sistema financeiro vigentes permitem o controle de qualquer conta bancária - e é justo e recomendável que isso seja feito com as contas de campanha. A minirreforma obriga que as doações sejam feitas em cheque cruzado ou depósito identificado, mas novamente aqui o delito só se configura se existirem mecanismos de identificação de depósitos ilegais. A lei pune com rigor o caixa 2, mas ela só terá efeito se for identificado dinheiro ilegal usado pelos candidatos.
Presume-se que, sozinha, e por mais que sejam boas suas intenções, a justiça eleitoral não consiga fazer um controle efetivo das finanças partidárias. E é isso, hoje, o que está em questão. O TSE vem dando passos muito importantes na direção de uma maior integração com órgãos federais que possuem experiência em investigação e controle. Essas eleições podem ser um bom momento de quebrar a tradição brasileira de fazer leis que não punem políticos se o tribunal conseguir colocar em andamento essa engrenagem e chegar a um modelo eficiente de fiscalização técnica do pleito. Depois disso, se a máquina de julgar estiver bem azeitada, será possível realizar processos eleitorais que não sejam movidos a dinheiro ilegal, dos quais não se sabe a procedência nem os compromissos que envolvem.