Título: Fazendo mais com menos
Autor: Armando Castelar
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2006, Opinião, p. A11

Comentando os recentes acontecimentos em São Paulo, o presidente Lula atribuiu os ataques do PCC à falta de gastos sociais: "Essa é a chave da questão, investir nas pessoas, dar comida, dar escola, porque aí as pessoas vão se transformar em pessoas sadias, independentes e saudáveis, e não vão precisar roubar, nem vão precisar matar, não vão precisar fazer isso". O presidente também criticou a idéia de que falta eficiência ao gasto público: "De vez em quando se cria a seguinte coisa: a gente precisa criar um choque de gestão. E choque de gestão significa cortar gasto, significa mandar gente embora e eu prefiro utilizar um choque de inclusão" (O Estado de S. Paulo, 14/06/2006).

O presidente está correto em apontar que a educação inibe a violência. Em "The Effect of Education on Crime" (Am. Econ. Review, março 2004), L. Lochner e E. Moretti mostram que uma pessoa que conclui o ensino médio tem menos chance de cometer um crime.

Nos EUA, um aumento de um ponto percentual na proporção de homens que concluem o ensino médio reduz os custos sociais da criminalidade em US$ 1,4 bilhão, o equivalente a US$ 2,1 mil por graduado. Esse valor representa entre 14% e 26% do retorno privado em completar o ensino médio, e é uma economia auferida pela sociedade, mas não diretamente por quem comete o crime. Constitui, portanto, uma externalidade: sem a intervenção estatal, haverá um investimento subótimo em educação secundária. Há também um relevante efeito intergeracional: em "Criminalidade e Inserção Social" (TD 968 do IPEA), M. Mendonça, P. Loureiro e A. Sachsida mostram que pessoas cujos pais têm educação secundária têm menor probabilidade de cometer um crime. De fato, um estudo da FGV mostra que 78% dos detentos em São Paulo não completaram o ensino fundamental, contra 51% na população total do Estado. No Rio os números são ainda piores: 80% e 52%, respectivamente (Valor, 24 de maio de 2006).

Portanto, investir na educação secundária reduz a criminalidade. Paradoxalmente, porém, o governo pouco tem feito pelo ensino médio, ou para reduzir as elevadas taxas de evasão escolar entre homens jovens, priorizando, em vez disso, o ensino universitário, o que pouco vai contribuir para reduzir a violência ou melhorar a distribuição de renda.

Mais difícil é aceitar que o gasto público não precisa de um choque de gestão. Um exemplo ilustra o tamanho do problema: há 18 anos o governo gastou US$ 800 milhões, em moeda da época, para comprar os equipamentos de Angra 3. Além desse capital nada render, gasta-se US$ 20 milhões ao ano para manter os equipamentos e paga-se a centenas de engenheiros para regularmente refazer o projeto da usina, que até hoje continua só na prancheta.

Há boas razões para o setor público financiar serviços como educação e saúde básica, mas não para que eles só possam ser providos por entidades estatais O mais preocupante, porém, é a visão presidencial de que se gasta pouco com o social. O gasto público social no Brasil somou 23,5% do PIB em 2004 - contra 26,2% do PIB nos países da OCDE - e deve ter crescido em 2005/2006, com o aumento real do salário-mínimo. Em educação, o setor público gasta 5,1% do PIB, contra 5% do PIB na média da OCDE; em saúde, os valores são 4,6% e 5,9% do PIB, respectivamente, apesar de na OCDE 14,4% das pessoas terem mais de 65 anos, contra 5,4% no Brasil. E a dinâmica demográfica já traz contratada uma expansão do gasto social. Prevê-se que na OCDE o envelhecimento da população eleve os gastos públicos com previdência social e saúde em 6% do PIB. No Brasil, esse efeito deve ser muito mais forte, pois ainda estamos no início da transição demográfica.

É inegável que falta educação e saúde para a população, mas nosso problema não é falta de gastos, mas de resultados. Nos EUA, o gasto público social soma 20% do PIB, na Irlanda, 18%, e na Coréia 11%, e os indicadores sociais desses países são muito melhores que os nossos. A meta não deve ser, portanto, gastar mais, mas gastar melhor. A experiência internacional indica três caminhos de como fazer isso.

Primeiro, aprimorar a elaboração e execução do Orçamento, introduzindo metas e regras fiscais (tetos para gastos, carga tributária e dívida pública) de curto, médio e longo prazos, fixando metas de resultados e avaliando-os. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi um passo nessa direção, mas a idéia de ter um plano fiscal de médio prazo, com metas declinantes para a razão dívida pública/PIB, foi abandonada sem ser discutida.

Segundo, priorizar a gestão por resultados, com a definição de metas explícitas para as unidades administrativas - ministérios, secretarias, hospitais, escolas etc - e maior flexibilidade para os gestores decidirem como alcançá-las. Em especial, alguns países têm buscado flexibilizar os regimes de trabalho e remuneração dos funcionários públicos para introduzir esquemas de incentivos vinculados ao desempenho. Em Portugal, isso foi feito no setor de saúde; no Brasil, alguns estados e municípios criaram esse tipo de incentivo na educação, mas o seu efeito é amortecido pela dificuldade de se retirar a premiação quando o desempenho cai.

Terceiro, contratar entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, para prover serviços sociais, em competição com os provedores estatais - por exemplo, por meio de cupons (vouchers) ou comparação de desempenho (benchmarking). Há boas razões para o setor público financiar serviços como educação e saúde básica, mas não para que eles só possam ser providos por entidades estatais. De fato, boa parte dos nossos serviços de saúde é financiada pelo governo mas fornecida pelo setor privado, por meio do SUS. Brasil afora, o governo financia organizações da sociedade civil que operam creches e unidades do Programa de Saúde da Família. Entre outras coisas, isso reduz o elevado absenteísmo dos serviços públicos de saúde e educação, causa importante de sua baixa eficiência, e permite melhor adaptação às necessidades e costumes locais (por exemplo, horário de atendimento).

O Brasil precisa melhorar seus indicadores sociais, e não só para diminuir a criminalidade. Mas o caminho não é gastar mais. Gasto é o que sai do caixa do governo, investimento é o capital humano que o cidadão acumula. Como observa o presidente, precisamos investir mais no social, mas gastando menos.