Título: O varejo paga a conta
Autor: Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2006, Eu &, p. D1

A corda arrebenta sempre do lado mais fraco. O ditado pode ser velho, mas se mostra bastante atual no setor de fundos de investimento brasileiro. Estudo realizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) revela que os investidores de varejo, apesar de representarem apenas 40% do patrimônio líquido do setor, foram responsáveis no ano passado por 60% do valor que as gestoras arrecadaram com taxas de administração. Dos R$ 7,8 bilhões pagos em 2005 - praticamente 1% do patrimônio líquido do setor -, o varejo respondeu por R$ 4,8 bilhões.

Isso significa que quem tem menos recursos para aplicar paga proporcionalmente muito mais por esse serviço do que os grandes aplicadores. O resultado é conseqüência, em grande parte, da enorme concentração do setor nas mãos de poucos gestores, avalia o presidente da CVM, Marcelo Trindade, que comentou o estudo durante o seminário em comemoração aos 30 anos da autarquia.

Ter poucos gestores representa mais facilidade de fiscalização, mas eles também ficam com muito poder e conseguem ditar as regras do mercado, diz Trindade. Com esses dados nas mãos, segundo o presidente da CVM, a autarquia deve agora discutir com os representantes do setor, como a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), o que se pode fazer para corrigir possíveis distorções do mercado.

Para ser idéia da concentração, os dez maiores administradores concentram 62% dos 5.646 do total de fundos de investimento no Brasil. Já em patrimônio, eles administram nada menos que 76% do segmento. Em termos de números de cotistas, essas dez instituições abarcam 91% dos investidores.

Mas não dá para reclamar de falta de competição, afirma Nelson Rocha Augusto, presidente da BB DTVM e vice-presidente da Anbid. "O mercado já é muito competitivo entre os principais gestores e está ficando ainda mais com a entrada de assets estrangeiras", diz Rocha Augusto. Ele lembra que as taxas de administração nos fundos de varejo dos Estados Unidos, por exemplo, são, em média, maiores que nos fundos brasileiros. "E se o mercado americano não é competitivo e desenvolvido então não dá para falar que há mercado no mundo", completa.

Com tanta concentração, a maior fatia da taxa de administração também fica nas mãos de poucos. No ano passado, os quatro maiores administradores - Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa Econômica Federal - ficaram com 74% dos R$ 4,8 bilhões de taxa de administração pagos pelo varejo em fundos de investimentos em cotas (os FACs).

O argumento consensual dos gestores para as taxas de administração maiores nos fundos de varejo é que há custos fixos muitos mais altos para se administrar o dinheiro de muitos investidores ao mesmo tempo. "Um grande investidor institucional pode muito bem ser atendido por apenas um gerente da asset em reuniões mensais", diz o vice-presidente da Anbid, Marcelo Giufrida. "Já para atender muitos aplicadores de varejo é preciso ter uma estrutura operacional muito mais parruda", afirma. Ele lembra que as taxas vêm num processo de queda e no varejo já caíram cerca de dois pontos percentuais nos últimos anos.

O estudo mostra ainda que os fundos de cotas de valores menores pagam proporcionalmente mais em taxas de administração do que representam suas aplicações nos fundos-mãe. Um FAC, por exemplo, com aplicação mínima de R$ 120 mil e taxa de administração de 1% ao ano, representa 75% do patrimônio do Fundo de Investimento Financeiro (FIF) onde aplica, mas apenas 57,36% da taxa de administração desse fundo-mãe. Já o FAC com investimento mínimo de R$ 20 mil e taxa de administração de 2% detém 22,08% do patrimônio desse mesmo FIF, mas contribui com 37,07% do ganho do gestor.

Cobra-se muito mais de taxa de administração do pequeno poupador e é o varejo que acaba trazendo mais lucros ao gestor, mesmo esse segmento tendo menos recursos que o grande cliente, diz o presidente da CVM. A autarquia fez esse mesmo exercício com os vários FIFs-mãe dos quatro maiores administradores e chegou exatamente ao mesmo resultado.

O presidente da CVM acredita que os próprios gestores irão corrigir os possíveis exageros de cobrança existentes no varejo. Alguns fundos DI chegam a cobrar 5,5% de taxa de administração para R$ 100,00. Mas se isso não ocorrer, a autarquia pode perfeitamente colocar uma regra estabelecendo uma diferença máxima de taxa de administração entre FACs que aplicam num mesmo FIF. "Tenho certeza que o mercado irá se organizar sozinha", prevê Trindade.

O estudo também comprova que a rentabilidade dos fundos está muito ligada à taxa de administração - quanto maior a taxa, menor é o retorno oferecido ao cliente. Os 2.687 fundos de investidores qualificados possuem uma taxa de administração mediana de 0,2% ao ano e rentabilidade de 19%. Esses valores foram obtidos excluindo-se os extremos. Já nas 1.438 carteiras voltadas para investidores não qualificados, a taxa de administração mediana sobe para 1% ao ano e o retorno cai para 18,3%.

O setor de fundos tinha no fim do ano passado 10 milhões de cotistas sendo que 41% deles estavam em fundos de ações, que representam menos de 5% do patrimônio do segmento. Isso significa que o patrimônio médio dos fundos de ações é de R$ 13,2 mil, de longe o menor do setor.

Segundo Trindade, esse patrimônio reduzido se explica pelos antiqüíssimos fundos 157, pois sobraram muitas carteiras com patrimônios irrisórios. "Muita gente tem esse dinheiro e sequer sabe que ele existe", diz o presidente da CVM. A autarquia irá atualizar a sua base de dados sobre os fundos 157 e depois, juntamente com as assets, fazer um esforço para encontrá-los. Há fundos 157 com taxa de administração de até 10% ao ano.