Título: Uma nova jornada
Autor: Leite, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 18/08/2010, Brasil, p. 8

Levantamento do Ipea desfaz mitos a respeito dos migrantes no Brasil: eles agora têm mais tempo de estudo e salário melhor do que aqueles que ficam nas cidades de origem

Opersonagem Fabiano desafia a hostil paisagem do sertão nordestino em busca de sobrevivência para si e sua família. Em uma jornada inesquecível em busca de trabalho, sua tentativa de conquistar uma vida melhor protagoniza o romance Vidas secas, de Graciliano Ramos. O engenheiro civil Fábio Teixeira, 35 anos, concluiu em Fortaleza a cidade onde nasceu a faculdade e o mestrado em engenharia civil e, em 2004, migrou para Brasília. Eu tinha um emprego e um salário bacana em Fortaleza, mas escolhi o lugar onde tinha a melhor condição salarial. O ato de migrar é a única coisa que une os personagens do livro de 1938 e o da vida real de 2010. A mudança de perfil migrante brasileiro, revelada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), desfaz a imagem mais recorrente que se tem sobre aquele que sai de determinado lugar para outro no Brasil.

Qual o nosso estereótipo, que inclusive eu tinha? O jeca saindo do meio rural e indo para a cidade grande, para pegar qualquer emprego. Essa realidade é pouca em relação ao que existe hoje no Brasil. Atualmente, acontece uma mudança nesse comportamento, e isso já não é a verdade predominante. O migrante está dando um tiro muito mais certo, compara o coordenador do Núcleo de Informações Sociais do Ipea, Herton Araújo.

Entre as principais conclusões do estudo, divulgado ontem, estão: os fluxos migratórios não se dão somente de regiões pobres para regiões ricas, o percentual de migrantes com pelo menos 12 anos de estudo é maior que o de não migrantes nessa situação, e o migrante tem uma remuneração melhor do que o não migrante na região onde se instala. Para Araújo, o estudo deixa uma mensagem clara: a existência de um processo de qualificação da inserção dos migrantes no mercado de trabalho.

É a realidade onde se encaixa o engenheiro Fábio, funcionário do Ministério do Planejamento, e de pelo menos outros 10 amigos que vieram para Brasília em condições favoráveis.

Eu vim porque fui aprovado em um concurso voltado para a minha área, e muitos amigos vieram para prestar consultorias, focados na oportunidade de melhorar a carreira, conta. Em 2008, a média salarial dos não migrantes, no CentroOeste, era de R$ 1.250; enquanto a dos imigrantes na região somava R$ 1.432. O engenheiro prefere não dizer quanto recebe de salário, mas adianta que é bastante superior à média dos não migrantes, já em 2008.

Ainda em relação ao mercado de trabalho, o Ipea informa que, em 2008, a informalidade atingia 52,1% de trabalhadores não migrantes. Entre os migrantes, esse percentual era inferior: 49,5%. A queda da informalidade foi mais expressiva entre os migrantes que saíram do Nordeste para o Sudeste: caiu 9,1 pontos percentuais de 2005 (50%) para 2008 (46,3%). Com isso, a situação dos trabalhadores que foram do Nordeste para o Sudeste era melhor do que a dos não migrantes do Sudeste, em 2008, que reunia 43,4% entre os trabalhadores.

Essa formalização em comparação com esses trabalhadores foi muito surpreendente, ainda que, especificamente no caso desse fluxo, os migrantes ainda não concorrem de igual para igual com os residentes. Eles migram para receber uma remuneração menor e ocupar posições piores no mercado de trabalho, diz o coordenador do Ipea, Herton Araújo. O estudo aponta que a remuneração média (R$ 1.092) entre migrantes dentro do Nordeste é maior do que a dos migrantes para o Sudeste (R$ 828,75), e que cerca de 20% dos homens que migram do Nordeste para o Sudeste trabalham no setor da construção civil.