Título: Crise mantém votações obstruídas
Autor: Juliano Basile e Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2006, Política, p. A8

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal começam a semana com pautas de votação trancadas por medidas provisórias - que têm prioridade sobre as outras depois de 45 dias de tramitação - e sem ambiente político para apreciação de qualquer proposta legislativa. No Senado, a expectativa é com o depoimento do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), marcado para hoje. Ele terá de explicar denúncias de que teria pedido ao banqueiro Daniel Dantas doação para o PT em 2003.

A criação ou não de uma outra CPI será decidida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para investigar o chamado esquema das sanguessugas, revelado por operação da Polícia Federal. Requerimento com 30 assinaturas de senadores (o mínimo seria de 27) e 229 de deputados (exige-se o mínimo de 171) já foi entregue à Mesa do Congresso, mas Renan estava viajando.

O Senado deve encaminhar para a Câmara, nos próximos dias, os 11 projetos de lei aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que endurecem as leis de segurança pública e têm caráter terminativo, ou seja, não precisam ser submetidas ao plenário do Senado. Mas são mínimas as chances de aprovação pelos deputados. A votação depende de acordo entre os líderes partidários, coisa rara no Congresso nesses tempos de turbulência política.

A pauta da Câmara está obstruída por quatro MPs - entre elas a que fixou o valor do salário mínimo em R$ 350 a partir de 1º de abril de 2006 - e dois projetos de lei que têm urgência constitucional (prioridade sobre os demais). Outros 29 projetos aguardam votação, entre eles o que cria benefícios tributários para pequenas e médias empresas.

O envolvimento de deputados com escândalos como o esquema do mensalão e o desvio de recursos para compra de ambulâncias por meio de emendas parlamentares deixa a atividade legislativa da Câmara praticamente paralisada.

A última vez que os deputados votaram um projeto de lei foi em 23 de março, quando aprovaram o plano de carreira dos servidores da Casa e começaram a votar as emendas dos senadores ao projeto da Timemania, que cria a loteria para arrecadar dinheiro para o esporte. Quase dois meses depois, a votação ainda não foi concluída.

No Senado, o que mais atrapalha a atividade plenária é a constante tensão entre governo e oposição. Na quarta-feira, o PSDB decidiu obstruir a pauta numa reação a críticas feitas pelo ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) ao pré-candidato tucano à Presidência da República, Geraldo Alckmin.

A obstrução termina nesta semana, mas quatro medidas provisórias travam a votação de quatro propostas de emenda constitucional e dez projetos de lei.

Entre as MPs que trancam a pauta do Senado, estão a que reduz a zero as alíquotas do imposto de renda e da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMDF), a que altera o regime jurídico dos servidores públicos civis da União e autorizações para liberação de créditos extraordinários.

Com a pauta de votações constantemente obstruída por medidas provisórias e as sessões de todas as quarta-feiras ocupadas com votações dos processos de cassação dos deputados envolvidos no mensalão, a Câmara tem poucas perspectivas de avançar na pauta. Na quarta-feira, por exemplo, a ordem do dia prevê apreciação do parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar sobre suposto envolvimento do deputado Vadão Gomes no esquema do mensalão.

Quando a pauta da Câmara for desobstruída, o primeiro item que aguarda votação é a proposta de emenda constitucional que altera o Sistema Tributário Nacional. São quase nulas as chances de votação dessa proposta, considerando que uma emenda constitucional exige dois turnos de votação e sua aprovação, no mínimo 803 votos favoráveis.

Com o início da Copa do Mundo, a realização das convenções partidárias em junho e o esvaziamento que normalmente já ocorre nesse período do ano, por causa das festas juninas, deputados da oposição prevêem dificuldades até para votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) neste semestre. É bom lembrar que, pela Constituição, o Congresso só entra em recesso legislativo no mês de julho quando a LDO estiver votada.

As últimas denúncias envolvendo deputados com a Operação Sanguessuga aumentaram a turbulência política e dificultaram ainda mais as votações no plenário, já comprometidas com os processos de cassação dos chamados mensaleiros.

As acusações de pagamento a parlamentares da base em troca de apoio político ao governo atingiram quatro líderes de partidos aliados ao presidente Lula - PT, PMDB, PL, PP, além de presidentes de três partidos (PL, PTB e PP). Isso desestruturou a bancada governista na Câmara.