Título: Os estilos de nossos presidentes
Autor: Almeida,Alberto Carlos
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2011, EU & Fim de Semana, p. 28/29

Dilma ainda está em seu primeiro ano de mandato e já são muitas as comparações entre ela e seu antecessor.

Na maioria das vezes, isso é feito apontando-se as vantagens de Lula sobre Dilma em diversas características: Lula se comunica melhor, Lula tem mais habilidade política, Lula é o líder incontestável do PT, o governo Lula combateu mais a inflação e por aí vai. A comparação muitas vezes não é justa porque contrasta alguém que está no governo há menos de um ano com um político que foi presidente durante oito anos.

Tais comparações também falham por frequentemente não justificarem o motivo de comparar isso e não aquilo. Dilma, por exemplo, é uma leitora compulsiva. Na comparação com Lula nesse atributo ela leva a melhor. Pode ser que isso seja relevante no exercício do cargo de presidente. Afinal, Fernando Henrique tinha milhões de quilômetros rodados em leituras e conduziu o país por um programa de reformas crucial para que o Brasil se encontre onde está hoje. É importante que o atributo a ser comparado seja relevante do ponto de vista do exercício da Presidência e nem sempre isso acontece quando Dilma e Lula são avaliados.

Uma forma de contornar essa dificuldade é recorrer ao que se escreveu em outros países sobre o assunto. Fred Greenstein, em seu livro ""The Presidential Difference", faz isso para 13 presidentes americanos, de Roosevelt até Obama. Ele os compara tendo em vista seis atributos: capacidade de comunicação com o eleitorado, capacidade organizacional, habilidade política, visão, estilo cognitivo e inteligência emocional. É muito difícil realizar um trabalho tão bem informado sobre nossos presidentes, pelo simples fato de termos muito menos biografias do que os americanos. Meu esforço, porém, no quadro deste artigo, é o de, utilizando os conceitos de Greenstein, fazer uma primeira especulação cuidadosa sobre os quatro presidentes que tivemos desde o final da ditadura militar.

Collor foi um excelente comunicador. Era carismático e atuante. Não perdeu nenhuma chance de mostrar modernidade voando em aviões supersônicos, nem de defender causas utilizando camisetas com determinados dizeres ao praticar exercícios físicos. Para dar conta de seu lado popular, referia-se aos pobres como "descamisados". Comunicar-se sempre foi o ponto forte de Collor, comunicar-se e definir uma visão de mundo (e de governo) que costurasse o apoio político de seus aliados. A visão de Collor era liberalizante, foi o primeiro e único presidente a afirmar que os carros brasileiros eram "carroças". Era preciso abrir mercado para defender o interesse de nossos consumidores.

Do lado negativo, Collor começou seu governo reduzindo drasticamente o número de ministérios. O que é bom administrativamente, gastar menos, não o foi politicamente. Centralização e falta de manejo político combinados resultaram em um governo demasiadamente voluntarista. Collor não tinha paciência para lidar com conflitos e com oposição (aliás, não tem até hoje). Pior de tudo, em geral tinha um entendimento bastante imperfeito das consequências de suas decisões.

Nos seis atributos de Greenstein, Fernando Henrique não se adequou às exigências da presidência moderna em somente um, a comunicação com todos. Era excelente na comunicação com poucos, mas nunca falou de forma sistemática e eficiente para o grande público, para a maioria do eleitorado. No mais, tinha atributos que o levavam a fazer um bom governo: estilo cognitivo analítico, politicamente hábil, emocionalmente calmo e paciente, buscava sempre agradar a seus interlocutores. Estimulava sua equipe a tomar decisões que conectassem o curto e o médio prazos. Colocou sua equipe trabalhando na direção de uma visão de mundo liberalizante e menos regulatória. Não por acaso, seu governo foi marcado por reformas que vieram a ter impacto de longo prazo na vida política e econômica do Brasil.

Lula acabou de deixar a Presidência e está muito viva na memória de todos sua enorme capacidade de comunicação. É um típico líder popular". Também sempre foi muito claro em relação ao seu estilo cognitivo: nunca escondeu de ninguém que não lê. Sua maneira de apreender é empírica e por meio da oralidade. Sua intuição política é muito grande. Também foi um político de visão: manteve e mantém o PT unido em torno da bandeira social, da melhoria de vida dos mais pobres e, recentemente, da melhoria de vida como sinônimo de formação de uma classe média numerosa. Outra característica de Lula é sua grande habilidade política. Como presidente, nunca participou de reuniões com uma posição claramente definida, mas era ele quem tinha a palavra final ao conciliar os diferentes pontos de vista. Uma postura genuinamente política.

Há uma interação entre estilo pessoal e contexto político. Isto é, o estilo de cada presidente pode estar mais ou menos de acordo com a conjuntura em que ele exerce seu poder. É impossível saber se o estilo de Lula funcionaria em um cenário de crise econômica internacional. Trata-se de um exercício meramente contra-factual. Pode ser que sua inteligência emocional não o tivesse ajudado a enfrentar uma crise econômica grave. Jamais saberemos. É possível, porém, afirmar que seu estilo pessoal funcionou bem nos oito anos de bonança econômica global que influenciaram a conjuntura econômica brasileira justamente durante seus dois mandatos. Isso se aplica também ao mandato em andamento de Dilma.

As aparições públicas de Dilma mostram que ela é bem diferente de seu pai político. Sua maneira de comunicar-se com os eleitores é pouco espontânea e muito protocolar. Mais parece um porta-voz de governo. Isso pode mudar, à medida que ela for sendo treinada pelo exercício do mandato.

Enganam-se aqueles que acham que Dilma não gosta de política e não tem habilidade para praticá-la. Aliás, um grande atributo positivo da presidente é que ela tem a imagem (que provavelmente nunca mudará) de uma pessoa sem habilidade política, mas exercita a prática dos grandes mestres da política. Por exemplo, em seus primeiros seis meses de mandato, enfrentou sucessivas crises no primeiro escalão e saiu-se bem em todas elas. Primeiro, foi o escândalo de Palocci, até então um dos principais elos de ligação entre ela e Lula. Em seguida, o escândalo do Ministério dos Transportes, seguido da Agricultura e depois do Turismo. Dilma ficou bem com o PMDB do ex-ministro do Turismo e mantém o PP em rédeas curtas. O PP não tem para onde ir e Dilma age mostrando que sabe disso. Durante todas essas crises, a presidente não deu nenhuma declaração pública errada. Tampouco deixou ressentidos para trás. Conduziu as crises como se fosse uma presidente no final de um mandato de oito anos.

Dilma é centralizadora, extremamente racional e impessoal. Sua visão de governo é menos social que a de Lula. Obviamente, ela preservará a ênfase na política social, pois se trata de uma marca registrada de qualquer governo de centro-esquerda. Contudo, o coração de Dilma palpita forte pela modernização da capacidade de atendimento do setor público e por dar um salto desenvolvimentista ao país. É fácil unir sua aliança em torno do segundo objetivo. Quanto ao primeiro, exige que os políticos cortem na carne, o que torna sua realização não necessariamente improvável, mas certamente difícil.

Nosso sistema não é o parlamentarismo. Por isso, o estilo do presidente tem grande importância para as decisões que são tomadas. Hoje, no mesmo contexto que Dilma tem que enfrentar, um presidente com outro estilo tomaria decisões diferentes quanta à política econômica, aliança com o PMDB, demissões de ministros etc. Não há nada nos seis atributos de Dilma que permita ao analista da política concluir que ela é melhor ou pior do que Lula. Não há dúvidas quanta ao óbvio: ambos são bastante diferentes. As diferenças, porém, não são para pior, com exceção da capacidade de comunicação com o grande público e, talvez, na capacidade organizacional. Quanto à habilidade política, um atributo fundamental para o sucesso, Dilma é muito mais capaz do que aparenta.

Alberto Carlos Almeida. sociólogo e professor universitário, e autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".