Título: Sexo, educação e os presídios paulistas
Autor: Marcelo Côrtes Neri
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2006, Opinião, p. A11

Os trágicos acontecimentos recentes ocorridos em São Paulo precipitaram um acalorado debate sobre os determinantes sócio-econômicos da criminalidade. Traçamos aqui um retrato comparativo da população adulta do estado com aquela que vive nas prisões a partir de uma amostra de 5,4 mil presidiários paulistas extraída do último censo do IBGE. A identificação dos setores censitários das prisões permite comparar este segmento com o conjunto da população adulta paulista. Este contraste não é possível de ser extraído de levantamentos amostrais, ou administrativos, feitos junto aos estabelecimentos penais.

Começando pelos valores religiosos, hoje em voga nas discussões sobre conteúdo pedagógico nas escolas: entre os presidiários, 48,7% são católicos e 11,7% evangélicos, ao passo que na população adulta do estado 71,7% são católicos e 16,2% evangélicos. O que mais chama a atenção no campo religioso é a adesão de outras crenças não católicas, evangélicas, espíritas ou afro-brasileiras: 26,63% possuem crenças religiosas alternativas a estas (PCC?) contra 1,86% da população adulta de São Paulo. Outra diferença - esta talvez esperada - é a maior presença de pessoas sem religião: 11,7% nos presídios paulistas, um valor quase duas vezes maior que o encontrado para os adultos no estado, que é de 6,4%. Em relação à escolaridade formal, 78% dos presidiários não tem nem ensino fundamental contra 52% da população adulta do estado. Já a proporção de analfabetos nas penitenciárias é próxima àquela encontrada na população adulta do estado: 8,2% contra 7,5%.

Os jovens são maioria nos presídios e penitenciárias: 54,5% estão entre os 20 e 29 anos contra 18,2% da população paulista. Até pela questão etária, a proporção de solteiros nas penitenciárias é de 80,6%, enquanto na população adulta do estado é de apenas 23,4%, ou seja, existem quase 3,5 vezes relativamente mais solteiros nos presídios de São Paulo. As pessoas com algum tipo de deficiência estão sub-representadas na população carcerária (6,5%) que no estado (15,7%). Negros e pardos representam 35,8% da população carcerária contra 26,3% do estado. Cerca de 78% dos jovens presidiários são naturais do estado de São Paulo contra 66% no conjunto do estado. Os homens são maioria absoluta nas penitenciárias paulistas: 97,7% contra 48% da população adulta do estado, se destacando entre todos os fatores.

A contrapartida feminina da predisposição de jovens homens solteiros a atividades criminosas é a gravidez precoce Foram isolados fatores de risco associados à chance de cada indivíduo estar ou não presidiário, comparando-se pessoas com as demais características iguais exceto uma. Por exemplo: comparamos homens e mulheres com atributos iguais, isto é descontando o fato de que mulheres, na média, têm mais educação do que homens entre outras características. O exercício confirma que o principal fator de risco é o sexo. Os homens têm 46,3 vezes mais chance de estarem presidiários do que as mulheres, considerando as demais características iguais. Em seguida, a léguas de distancia, está o estado civil. Ser solteiro é um importante fator de risco 4,8 vezes maior que os demais. Os solteiros talvez sejam mais propensos a aceitar riscos por não terem famílias constituídas, o que por outro lado limita o custo social imposto a parentes.

A escolaridade aparece a seguir na lista, mas em outra liga de magnitude de impacto. Pessoas com até seis anos de estudo têm 2,2 vezes mais chance de estarem presas que a população mais educada. Resultado semelhante é encontrado para o efeito-idade isolado: pessoas entre 18 e 35 anos têm 2,2 vezes mais chances de estarem presas que os mais velhos. Entre os fatores menos importantes estão migração 1,95 e raça 1,8. Transformando a característica atéia em fator de risco, a chance de uma pessoa sem crença religiosa ser presidiária não é estatisticamente diferente de uma pessoa com religião. O leitor está convidado a entrar no sitio www.fgv.br/cps e estimar como combinações destes fatores de risco impactam a chance de um indivíduo estar presidiário nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, o que pode subsidiar a seleção do público-alvo para o feitio de políticas públicas de natureza preventiva. Como exemplo, sintetizando o efeito de todos os fatores adversos mencionados em um único indicador, a probabilidade do indivíduo com todas as características adversas - isto é, um homem, solteiro, com baixa escolaridade etc estar presidiário é de 2,04%. Se, entretanto, for mudada para feminino o sexo desse indivíduo de risco máximo, a probabilidade cairia para 0,3. Ou seja, em matéria de determinantes de criminalidade a variável sexo é fundamental.

Steven Levitt, o autor do best seller Freaknomics causou espanto ao revelar como principal causa da redução da criminalidade em estados americanos em meados da década de 1990, a lei de aborto promulgada duas décadas antes. A idéia é tão simples quanto politicamente incorreta como muitas vezes a vida é (embora não gostemos disso): o fato da lei diminuir o nascimento de filhos indesejados de pobres mulheres solteiras gerou uma redução da oferta de criminosos duas décadas depois!

No Brasil, a contrapartida feminina da predisposição de jovens homens solteiros a atividades criminosas é a incidência da gravidez precoce que sobe de 7,97% para 9,1% entre 1980 e 2000, enquanto a taxa de fecundidade para todos os grupos etários cai de 4,4 para 2,3 filhos por mulher. Em particular, enquanto a taxa de fecundidade entre as moradoras de 40 a 45 anos de favelas cariocas é duas vezes maior que aquelas em bairros de alta renda, entre as adolescentes dos morros cariocas a taxa é cinco vezes maior que as adolescentes dos bairros de alta renda (0,27 filhos por menina entre 15 a 19 anos contra 0,054, respectivamente). Sem querer entrar - mas já entrando - no olho do furacão, se o Brasil não revolucionar a educação reprodutiva dos jovens, vamos estar colhendo mais e mais tragédias como as da semana passada. Talvez não seja à toa que o Dr. Dráuzio Varella depois de pintar o mais humano retrato da realidade presidiária paulistana, no clássico Estação Carandiru, tenha mais recentemente se voltado para a difusão de aulas de educação reprodutiva em escala global, como na recente série "Filhos deste Solo" de sua concepção.