Título: Fuga do risco afeta emergentes
Autor: Cristiane Perini Lucchesi e Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2006, Finanças, p. C1

Um forte movimento de desmonte de posições mais especulativas tomou conta dos mercados financeiros internacionais ontem e atingiu em cheio e principalmente os países emergentes.

O Brasil teve destaque no câmbio - os investidores altamente alavancados desfizeram posições compradas em reais com medo de maiores perdas e os exportadores ficaram de fora do mercado, esperando para ver. O dólar chegou a subir 5% contra o real, para fechar em alta de 3,57%, a maior desde 26 de maio de 2003. Foi a pior performance entre as moedas dos emergentes. A cotação foi a R$ 2,2890, a maior desde 19 de janeiro último.

As bolsas de valores despencaram no mundo todo. Na Índia, o pregão chegou a ser suspenso depois que o principal índice caiu mais de 10%. A Bolsa de Valores de São Paulo chegou a cair mais de 5,5%, para fechar em baixa de 3,28%, com o índice Bovespa a 36.496 pontos. O índice das bolsas dos mercados emergentes Morgan Stanley Capital Internacional teve o seu décimo declínio consecutivo, o que só aconteceu em agosto de 1998, logo após a moratória da Rússia, segundo o "Financial Times".

O risco-Brasil teve alta de quase 7%, para terminar o dia a 278 pontos básicos, elevação de 5,30% no dia. No ano, o risco-Brasil está em queda de 8,85%. Ontem, o pior desempenho veio da Rússia - o prêmio de risco do país subiu 8,79% -, seguida da Colômbia, com aumento de 8,57%. Os investidores venceram ações e títulos da dívida de emergentes no mundo todo e correram para comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos, o investimento considerado o mais seguro do mundo, em um tradicional movimento de "fly to quality" ou fuga para a qualidade.

Os preços dos papéis do Tesouro americano subiram e os rendimentos, que vão no sentido contrário aos preços, caíram. Os títulos de dez anos chegaram a registrar rendimentos de 5% ao ano apenas uma semana depois de terem atingido o recorde em quatro anos de 5,2%.

Desde o dia 10 de maio, o mercado foi tomado por incertezas crescentes após o Fed, banco central dos Estados Unidos, divulgar comunicado dúbio sobre o futuro das taxas básicas no país. Muitos passaram a apostar em novo aumento de 0,25 pontos percentuais na reunião do Comitê do Fed, nos dias 28 e 29. A inflação ao consumidor americano de abril, divulgada dia 17, veio acima do esperado e ampliou as expectativas de alta de juros.

Dados sobre a atividade econômica americana já fraca e temores de enfraquecimento também em outros países-chave no comércio internacional, como Japão e China, fizeram reverberar ainda mais as tensões. "A inflação americana não está cedendo e, ao mesmo tempo, há uma redução no consumo e uma desvalorização de ativos no mercado imobiliário no país", diz Fábio Akira, economista-chefe do JP Morgan.

"Falar em estagflação é exagero", avalia. Mas, uma alta de juros nos países ricos pode reduzir a liquidez para emergentes e aumentar seus custos de captação. O cenário é mais desfavorável se o aperto monetário maior vier aliado à redução na atividade econômica internacional, com queda nos preço das commodities e redução no valor e volume de exportações para emergentes. É a essa nova possibilidade que o mercado está se ajustando.

O movimento foi amplificado, no entanto, por razões puramente técnicas: o desmonte de posições mais especulativas e alavancadas. "Os investidores já vieram do fim de semana com humor pior e começaram o movimento de vendas de ações na Ásia", diz Ricardo Junqueira, sócio-diretor da Ático. "Um efeito dominó contaminou os todos os mercados e ampliou as oscilações de preços", disse.

Não há certeza se o estresse é passageiro ou se o aperto de liquidez maior veio mesmo para ficar, com o fim da euforia com emergentes que já dura mais de três anos. Analistas de mercado em Nova York acreditam que o custo pode subir para captações de empresas brasileiras no exterior, mas ainda não vêem a atual turbulência do mercado como uma crise que reduza o acesso a capital. Ontem, a Gerdau comunicou informalmente aos investidores que vai esperar um melhor momento de mercado para captar os US$ 400 milhões a US$ 500 milhões de vencimento em dez anos. Segundo a "Dow Jones Newswires", o conselho da empresa aprovou taxas de 6,9% a 7,3% para os papéis, mas os investidores estão pedindo em torno de 8%, que a empresa, capitalizada, não se dispõe a aceitar. O líder é o JP Morgan.

O estrategista para a América Latina do UBS, Michael Gavin, e o economista-sênior do Dresdner em Nova York, Nuno Câmara, acreditam que é "natural" que o governo e algumas empresas se retraiam durante o período de maior volatilidade do mercado. "A melhor estratégia agora é esperar um pouco, pois o mercado está colocando novos preços nos ativos e deve estabilizar-se num patamar mais alto de taxas de juros", diz Câmara. Michael Gavin diz que o Brasil tem flexibilidade na captação porque em grande parte pré-financiou suas necessidades externas para o ano de 2006. "Não há a necessidade de dinheiro agora e por isso os emissores podem esperar", diz.

Os papéis da dívida brasileiros mais atingidos ontem foram os títulos indexados à inflação. Mas, "ainda estamos a anos-luz de uma crise - o Brasil 40, bônus de 40 anos, ainda está pagando menos que 200 pontos-base acima do Tesouro americano", afirma Gavin, que vê a Turquia é um dos mercados emergentes mais vulneráveis, pois continua apresentando déficit de conta corrente expressivo. Ontem, a lira turca teve tombo de 3,3% contra o dólar para um recorde de baixa em doze meses, depois de um desempenho já bem ruim nas duas últimas duas semanas. Na Turquia, não foram só os movimentos técnicos de desmonte de posições que ampliaram a desvalorização cambial, como no Brasil. O assassinato de um juiz ampliou tensões políticas. O alerta do FMI sobre os gastos do governo e juros altos contribuiu para a tensão.