Título: Mordida recorde
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 18/08/2010, Economia, p. 11

Arrecadação federal ignora a desaceleração da economia e atinge o volume inédito de R$ 67,9 bilhões em julho. Em sete meses, o total de tributos pagos no Brasil é de R$ 450,9 bilhões

Aforte desaceleração da atividade econômica no segundo trimestre, esperada pelo Ministério da Fazenda e aferida por diversos indicadores setoriais antecedentes, não afetou o recolhimento de impostos da União, que parece correr em paralelo ao desenvolvimento da economia e continua a registrar sucessivos recordes mensais. Em julho, a arrecadação federal cresceu 10,54% quando comparada a junho e somou R$ 67,973 bilhões. No ano, os contribuintes já entregaram ao fisco R$ 450,9 bilhões, valor 12,22% superior ao acumulado em 2009.

A resistência da arrecadação decorre da defasagem com que ela reage aos fatores econômicos, segundo avaliação do subsecretário de Tributação e Contencioso, Sandro Serpa. A arrecadação responde basicamente à situação da economia, mas não só a ela, há outras variáveis. Alguns estudos mostram que ela demora a cair quando a economia desacelera e também reage mais lentamente quando a economia melhora, detalhou.

Para Jorge Lobão, consultor tributário do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco), o desempenho forte reflete ainda uma base de cálculo deteriorada pela crise internacional (primeiro semestre de 2009). A partir de agora, deveremos retornar a patamares regulares, fora da alça de mira da crise, afirmou.

O tributo que mais contribuiu com o aumento da arrecadação foi a Cofins/PIS-Pasep, ao registrar crescimento real (descontada a inflação) de 16,76%, acumulando R$ 97,936 bilhões entre janeiro e julho. O recolhimento da contribuição, calculado com base no faturamento de empresas comerciais e industriais, sofreu a influência da forte atividade econômica do primeiro trimestre do ano, o que levou o fisco a receber uma diferença superior a R$ 14 bilhões nessa rubrica em relação ao coletado no mesmo período do ano passado. A produção e as vendas estão se comportando bem, o que explica em grande parte o avanço desse tributo, considerou Serpa.

O crescimento real da Cofins/PIS-Pasep acompanha o avanço da produção industrial e das vendas do comércio no ano, que aumentaram 16,54% e 14,50%, respectivamente, de acordo com o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Contratações em alta A receita previdenciária, segundo tributo na lista dos que mais influenciaram o desempenho da arrecadação, trouxe aos cofres do governo R$ 11,5 bilhões a mais do que em 2009 e somou R$ 125,5 bilhões quase um terço do total recolhido no período. O incremento da massa salarial, em função da criação e da manutenção de postos no mercado de trabalho, sustenta essa rubrica, que durante a crise e a consequente menor lucratividade das empresas, foi a tábua de salvação da arrecadação federal.

Os sete meses consecutivos de resultado recorde da arrecadação também foram influenciados por outros recolhimentos, como o de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que responde por um incremento de R$ 3,117 bilhões neste ano. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), incidente sobre o crédito e impulsionado por sua expansão, também resultou em R$ 3,587 bilhões a mais nos cofres públicos este ano e o Imposto de Importação contribuiu com um acréscimo de R$ 2,754 bilhões.

Juntos, os três impostos renderam em sete meses R$ 47 bilhões ao fisco.

Para o subsecretário da Receita, a tendência do sistema tributário é não acompanhar a acomodação da atividade econômica. O ritmo (de crescimento) pode diminuir, mas nós trabalhamos com a expectativa de que a arrecadação tenha crescimento real (no ano) de 10% a 12%, afirmou.

Outras medidas de fiscalização e combate à sonegação, segundo Serpa, mantêm o crescimento da arrecadação, a despeito das oscilações da economia. O sistema de nota fiscal eletrônica, por exemplo, eleva em cerca de 30% a arrecadação nos municípios em que é adotado, conforme lembrou Lobão. No Rio de Janeiro e em outras cidades fluminenses, ela entra em vigor a partir de outubro. Isso acaba refletindo nos tributos federais só pela redução da sonegação, comentou

E EU COM ISSO

A Receita Federal costuma divulgar com tom de triunfo os recordes na arrecadação de tributos e impostos, uma vez que, quanto mais volumosa, mais dinheiro o governo tem à disposição para realizar investimentos em direitos básicos, garantidos pela Constituição da República, como educação, saúde e os demais serviços públicos. Apesar do esforço da maior parte dos contribuintes para honrar o pagamento dos impostos e da carga tributária no país girar em torno de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), o que a população observa é um enorme descompasso entre o que recolhe a administração pública e o que repassa para suprir as despesas de hospitais, de escolas e de outros setores que dependem da arrecadação federal. Para completar, o governo ainda arca com elevados dispêndios para manter a pesada máquina pública. Os benefícios que retornam efetivamente ao cidadão ficam, normalmente, aquém do necessário e do esperado.