Título: Turbulência pode levar BC a conter o corte nos juros
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2006, Finanças, p. C3
A economia brasileira está, de fato, bem mais forte hoje do que nas crises externas da década de 90, quando carregava um pesado déficit em transações correntes e se via em apuros com a redução dos fluxos de financiamento. Não é esse o caso, agora. O país acumula, em doze meses, superávit de 1,61% do Produto Interno Bruto (PIB) nas contas correntes - o que representa US$ 13,3 bilhões. Ou seja, é exportador líquido de capitais.
Isso não significa, porém, que não se pague um preço por crises, turbulências ou volatilidades vindas de mudanças do cenário internacional. O Brasil não é imune aos ventos vindos de fora e, em geral, o custo sempre é pago com alguma perda de atividade econômica.
Não será surpresa, portanto, se o Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne nos próximos dias 30 e 31, vier a reduzir muito pouco ou até interromper a queda da taxa Selic. Em momentos passados, o Banco Central reagiu a surtos de nervosismo no mercado financeiro externo com conservadorismo. Essa é a função do BC. Exemplo disso ocorreu exatamente em maio de 2004, quando interrompeu a queda da taxa de juros (na ocasião, de 16% ao ano) por causa de volatilidades nos preços dos ativos.
As explicações da ata do Copom de maio daquele ano servem para compreender o que pensa o Copom hoje: "As mudanças mais significativas desde a reunião de abril (de 2004) do Copom ocorreram no cenário externo, que recentemente apresentou maior volatilidade, em função de alterações das expectativas quanto ao comportamento da taxa básica de juros norte-americana e do aumento verificado no preço do petróleo". Houve uma mudança abrupta nas carteiras de investimento e a instabilidade refletiu no preço de diversas moedas em relação ao dólar e nos prêmios de risco dos países emergentes. A taxa de câmbio, entre duas reuniões do Copom, passou de R$ 2,89 para R$ 3,10, e o risco Brasil aumentou de 543 pontos base para 728 pontos base.
Tal como agora, naquele ano o BC considerava que a instabilidade não se configurava um quadro de crise, " tanto devido ao caráter passageiro de suas causas principais, quanto graças aos sólidos fundamentos da economia brasileira". E concluía : "Diante disso, o Copom decidiu, por seis votos a três, manter a meta para a taxa Selic em 16,0% ao ano".
Na ata de abril deste ano, o Copom já avisava que conduziria a política monetária a partir de agora, já com os olhos voltados para a meta de inflação de 2007, com "maior parcimônia", por causa das incertezas quanto aos mecanismos de transmissão da política monetária. O que levou vários analistas de mercado a ajustarem suas expectativas para um corte não mais de 0,75 ponto na Selic, mas de 0,50 ponto.
O BC não trabalha com a possibilidade de uma aterrissagem abrupta da economia americana ( "hardlanding") e já contava com políticas monetárias mais restritivas no mundo, que causariam, como estão causando, maior volatilidade e aumento da percepção de risco dos países emergentes. "Todavia, a estimativa do Institute of International Finance para os fluxos de capitais para economias emergentes mantém-se em nível confortável", diz a ata do Copom de abril.
Assim, o Copom atribui baixa probabilidade a uma deterioração relevante nos mercados financeiros internacionais, suficiente para comprometer as condições de financiamento do País.
Mas variações significativas na taxa de câmbio - ontem o dólar chegou a R$ 2,30 - podem representar pressões inflacionárias e, portanto, estreitando o espaço para a queda dos juros.
Isso ocorre justamente no momento em que o governo, sob o comando do ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenta forçar uma transição entre a política monetária e fiscal austera e ortodoxa para um modelo mais flexível e voltado para o desenvolvimento.