Título: Igualdade federativa e justiça social nas PPPs
Autor: Luiz Tarcísio Ferreira
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2004, Opinião, p. A12

O projeto que regulamenta as parcerias público-privadas, prestes a ser votado no Senado, abre excelente perspectiva para a retomada imediata de investimentos pelo poder público. É fundamental, no entanto, que pequenas mudanças sejam introduzidas no texto aprovado na Câmara dos Deputados para tornar a futura e esperada lei um marco regulatório efetivo para a imensa maioria das prefeituras - o ente mais próximo das necessidades da população. Pelo modo como está redigido o projeto em tramitação, apenas Estados e municípios de maior porte orçamentário poderão lançar mão das PPPs, instrumento alternativo fundamental de financiamento do poder público, e das mais louváveis iniciativas do governo federal, porque viabiliza operações numa faixa de investimentos e num modelo jurídico diferenciado das concessões habituais de serviço e de uso de bem público. Entretanto, o piso de investimentos previsto para permitir as operações de PPP (R$ 20 milhões) e a limitação do tempo do contrato (entre 5 e 35 anos) são fatores que impedem a participação nas parcerias de grande parte dos cerca de 6 mil municípios brasileiros. De fato, poucas cidades dão conta de ter projetos de tão grande porte. No entanto, sem romper com os princípios imaginados pelo governo federal para as PPPs, o texto poderia ser pontualmente melhorado a fim de resguardar os interesses dos Estados menores em receita e da grande massa dos municípios brasileiros. Isso tornaria o regime jurídico do projeto ainda mais democrático e sintonizado com o sistema constitucional e legal brasileiro. A proposta é substituir o valor-piso de R$ 20 milhões por uma relação percentual entre o custo dos programas a serem financiados e a receita corrente líquida do ente federativo em questão. Este critério, lembre-se, já vem sendo utilizado, por exemplo, para definir o limite de endividamento na Lei de Responsabilidade Fiscal. A manutenção do piso previsto no projeto original, por outro lado, pode constituir ofensa ao princípio federativo, na medida em que acabará por excluir dessas operações a grande maioria de governos locais e até muitos estaduais. Se isso ocorrer, as parcerias público-privadas, idealizadas para se transformar em um ciclo virtuoso de investimento na economia, podem acabar gerando gerar um ciclo vicioso indesejável. Vale lembrar que, de acordo com a Constituição (artigo 22º, inciso XXVII) compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e municípios.

A proposta é substituir o piso por uma relação percentual entre o custo do projeto e a receita do ente federativo

Pela regra de competência constitucional, fica claro que a lei editada com base nela deve veicular normas gerais, válidas para todos os entes federados. Portanto, não podem ser consideradas normas gerais aquelas cuja aplicação exclua entes federados, ou que não estejam em consonância com a isonomia entre os entes da federação, sob pena de ofensa ao princípio federativo. Certamente, regras que estipulem limites de prazo (mínimo e máximo) e o piso de valores de investimento nas operações de PPP, não constituem normas gerais de licitação. Logo, se forem estabelecidas, somente serão aplicáveis à União. Os Estados e municípios de menor porte ficarão sem limites. Melhor seria, no caso dos investimentos mínimos, que se estipulasse um percentual da receita corrente líquida de cada ente federado, ou, ainda melhor, que se lhes confiasse a fixação desses valores, respeitada a autonomia de cada um deles. Quanto aos prazos, que sejam estabelecidos somente para a União, e simplesmente suprimidos para Estados e municípios, porque prazos são determinados por uma equação inevitável: quantidade de investimento e o tempo para resgatá-los, tendo em vista a lucratividade Além disso, não há motivo algum - político, econômico ou jurídico - para não se admitir parcerias público-privadas em serviços de menor porte, ou que possam ser contratadas com tempo inferior a cinco anos ou superior a 35 anos. Não se pode correr o risco de que diversos serviços e obras sejam impedidos de constituir objeto de PPP, por serem passíveis de realização antes, ou de demandarem mais do tempo do que aquele que se pretende fixar. O mesmo raciocínio vale para o piso fixado para as obras. Esse é o caso de iniciativas como a construção e manutenção de hospitais, escolas e estradas vicinais, exemplos que se aplicam justamente a Estados e municípios médios e pequenos. É possível e conveniente aprimorar o projeto de lei para expurgar dele essas limitações temporais e de valor. Embora seja extrema a necessidade de contar-se com a aprovação de um marco regulatório para parcerias público-privadas, sem prejuízo dessa urgência ainda é possível aperfeiçoar-se o texto e ampliar seus efeitos benéficos para todo o país.