Título: Megaleilão alcança R$ 72 bilhões e frustra geradoras
Autor: Leila Coimbra e Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2004, Opinião, p. A14
O megaleilão de energia realizado ontem frustrou as expectativas dos vendedores e do mercado, e derrubou as cotações dos papéis das principais empresas de energia negociadas em bolsa de valores. Dos 18 geradores inscritos, seis desistiram antes da segunda etapa do processo, que durou cerca de oito horas. Apesar da oferta ter sido maior do que a demanda, como já era esperado, o que aconteceu foi falta de energia para as distribuidoras contratarem 100% do seu mercado em 2005 e 2006. Isso ocorreu porque alguns vendedores preferiram ficar com energia "sobrando" no mercado, como e o caso da Cesp e da Tractebel. Para 2006, as distribuidoras conseguiram comprar 91,74% do seu mercado. Em 2005, fecharam a compra de 98%. A oferta final, de 25 mil megawatts foi suficiente para suprir 95,9% do mercado total das distribuidoras, segundo o presidente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Antonio Carlos Fraga Machado. O volume total que as 18 geradoras disponibilizaram no início do leilão não foi divulgado. O giro financeiro, calculado entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões, fechou em R$ 72 bilhões. Os preços, estimados entre R$ 60 e R$ 80 o megawatt hora (MWh), nos piores cenários projetados por bancos, ficaram em R$ 57,51 o MWh para 2005, de R$ 67,33 para entrega em 2006 e R$ 75,46, para 2007. Apesar do desanimo demonstrado pelos investidores, a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, considerou o evento "uma demonstração de maturidade do setor elétrico, e o resultado o mais transparente possível". Segundo a ministra, as empresas estavam sem contratação com o atual cenário de sobreoferta de energia, e o leilão de ontem permitiu que essas empresas pudessem projetar um horizonte de fluxo de caixa para os próximos anos. A maioria dos participantes mostrou-se desapontada com os preços de venda. Mauro Arce, presidente do conselho de administração da Cesp, explicou que a geradora paulista deixou de vender 350 MW entre a primeira e a segunda rodada de ofertas, tendo encerrado o dia com sobra de 763 MW médios sem contrato. Isso porque os preços estavam muito abaixo do que a empresa poderia suportar. "O preço estava ruim para todo mundo, muito abaixo dos contratos iniciais e para uma empresa como a Cesp, que tem dividas, a situação é mais difícil. Já quem não tem divida fica sem capacidade de investimento" , disse. Já a Tractebel teve uma participação ínfima: vendeu apenas 10 MW para entrega em 2007 com o objetivo apenas de participar do exercício. A empresa de comercialização da Tractebel, a TEC, desistiu na 17ª rodada. Arce lamentou que algumas empresas tenham vendido energia a US$ 20 o MWh, por oito anos, sabendo que nenhuma energia nova sairá por menos de US$ 30. No leilão, a Cesp vendeu 800 MWh com início da entrega em 2005 por R$ 62,10. Outros 1.178 MWh para 2006 a R$ 68,37 e apenas 20 MW, para 2007, a R$ 77,70. Segundo Arce, sobraram 763 MW para 2005, 380 MW para 2006 e 395 para 2007. Dentre as empresas que desistiram estão a Cachoeira Dourada, do grupo Endesa; a Chapecó; o grupo Ceran; e a Breitener, que opera usinas a óleo. A estatal CGTE foi desclassificada na primeira rodada por ter validado sua oferta após o tempo permitido. O erro da CGTE, da Eletrobrás, atrasou o leilão em uma hora e meia. O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) considerou o leilão um fracasso. Para ele, o preço médio da energia vendida pelas geradoras é "incapaz de assegurar a rentabilidade de projetos". Segundo Pires, apesar de o preço remunerar alguns projetos estatais cujo investimento já foi amortizado, ele não é capaz de atender à necessidade da expansão da oferta de energia do sistema brasileiro se o Brasil crescer mais do que 4,5% do PIB. "A conclusão que se pode tomar disso é que temos um racionamento à vista. Esse leilão foi arrumado artificialmente para deixar o preço baixo. O sinal que o governo deu hoje afasta o investidor, à exceção das estatais, e mesmo assim se a equipe econômica abandonar o rigor fiscal", critica Pires. O analista Pedro Batista, do Banco Pactual, concorda com Pires em pelo menos um ponto: acha que o resultado do leilão ficou abaixo das suas expectativas. E lembra que apesar da oferta maior que a demanda, o "pool" terá que contratar parte da energia que será consumida pelas distribuidoras em 2006 no mercado spot - já que as compras realizadas ontem para esse período só atenderão 91,74% da demanda - o que expõe o consumidor a um determinado risco. O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Maurício Tolmasquim, concordou que isso vai acontecer, mas avalia que será " bom para o consumidor" já que a energia está muito barata no mercado atacadista, onde o preço está parado em R$ 18,59. Tolmasquim também contestou a análise de que os preços do megaleilão comprometem os novos projetos de geração, ou seja, o leilão de energia nova, ainda sem data marcada. "É um erro conceitual misturar energia velha e nova. No leilão de energia nova vai ser calculado o preço e a melhor oferta ganha", disse Tolmasquim, acrescentando que cálculos preliminares da Eletrobrás indicavam ontem que, dado o aumento da contratação de suas controladas, ela conseguirá tocar novos investimentos.