Título: Indústria eleva preço em dólar e segura em real
Autor: Raquel Landim e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 22/05/2006, Especial, p. A12
Com a economia internacional mais aquecida que a brasileira, as empresas estão reajustando preços com menos dificuldade no exterior do que internamente. No primeiro trimestre do ano em relação a igual período de 2005, os preços de exportação dos automóveis brasileiros subiram 16,4%, enquanto a alta foi de apenas 1,3% no país. A indústria brasileira de calçados reajustou em 7,6% seu produto no exterior, já o consumidor brasileiro pagou 3,6% a menos, na mesma comparação.
Os exportadores aumentam os preços para repassar parcialmente as perdas da valorização cambial. Por outro lado, o dólar barato permite um aumento de importações e acirra a concorrência no mercado interno, ajudando a segurar a inflação.
O comportamento se repete em diversos setores. Nos móveis, os preços do exportador brasileiro subiram 10% no exterior e apenas 0,4% no Brasil na comparação entre janeiro a março de 2006 e janeiro a março de 2005. Até o preço do açúcar, commodity transacionada internacionalmente, subiu mais lá fora que no país. A cotação do produto avançou 46,5% no mercado externo e 29,3% para o consumidor local.
Os preços de exportação por setor foram elaborados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). As cotações do mercado interno fazem parte do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M). Esses dados foram obtidos com exclusividade pelo Valor.
O presidente da General Motors no Brasil, Ray Young, informa que a companhia reduzirá suas exportações em volume entre 20% e 30% esse ano, o equivalente a cerca de 50 mil unidades, por conta da valorização do real. Mesmo assim, a montadora pretende manter, em 2006, a receita de US$ 1,6 bilhão obtida com a exportação em 2005.
A proeza só será possível por conta de um forte reajuste de preços. Os repasses começaram no segundo semestre do ano passado, quando a GM elevou os preços em 20% no exterior. No primeiro trimestre desse ano, a companhia voltou a aumentar as cotações entre 5% e 10%, dependendo do modelo e do mercado. "Agora, com o dólar a R$ 2,2, temos que pensar em novos aumentos", reconhece Young.
Por conta dos repasses, a filial brasileira está perdendo contratos no exterior para outras fábricas no mundo. Desde o início do ano, a GM do Brasil deixou de exportar carros para a Venezuela. O modelo Classic foi substituído pelo Aveo, produzido pela GM da Coréia. "Não perdemos um cliente, mas um relacionamento", diz Young, ressaltando que não é possível recuperar esse mercado em menos de cinco anos. Nos próximos meses, a filial brasileira embarca os últimos modelos Meriva e Astra para o México. Perdeu esses contratos para as fábrica da Coréia e da Espanha, mas continuará atendendo o país nas linhas Corsa e Montana.
Com um poder de barganha menor que o das montadoras, o setor de autopeças está sofrendo mais. As empresas elevaram seus preços no exterior em modestos 3,4% de janeiro a março de 2006 ante igual período do ano anterior. No mercado interno, a alta foi de apenas 0,76% na mesma comparação. "Sempre tivemos dificuldade em repassar preço lá fora. Nos últimos seis meses, também está muito complicado qualquer reajuste aqui dentro", relata André Bevilácqua, coordenador administrativo e financeiro da Fupresa.
Ele relata que a empresa não está conseguindo repassar preços na Europa, seu principal mercado, por conta da concorrência da China e dos países do Leste Europeu. "Os europeus só aceitam reajuste de preço quando aumenta algum insumo, mas não por conta do câmbio". No mercado interno, a pressão das montadoras é por uma queda de cerca de 5% nos preços. Bevilácqua diz que as montadoras estão pedindo aos seus fornecedores um aumento de produtividade para compensar o câmbio.
Júlio Callegari, economista do J.P. Morgan, explica que está ocorrendo uma mudança relativa nos preços da economia brasileira. Com a apreciação cambial, o exportador perde se não reajustar seus preços. "Quem tem mais poder de mercado divide o prejuízo com o importador", diz. No mercado interno, a apreciação do real funciona como um estímulo, porque aumenta a receita em dólares. Ou seja, quem consegue manter os preços já sai no lucro. "Dessa maneira, torna-se mais interessante produzir para o mercado interno do que exportar", conclui Callegari. Ele esclarece que os efeitos no volume exportado demoram para aparecer por conta dos contratos de longo prazo das empresas e do efeito da alta das commodities.
A fabricante de caldeiras, centrífugas e filtros, Mausa Equipamentos, já sofreu um redução de 50% nas encomendas neste ano. Os contratos são fechados até um ano antes da entrega dos produtos e a redução do volume exportado deve aparecer a partir do final deste ano, acredita o diretor comercial Egon Scheiber.
Prejudicado pela forte concorrência da China, o setor têxtil é um dos mais prejudicados. Os preços de exportação de tecidos e vestuário ficaram estáveis no primeiro trimestre de 2006 ante igual período de 2005. No mercado interno, os preços dos tecidos artificiais e vestuário caíram, respectivamente, 2,3% e 4,3%.
A Hering conseguiu aumentar até 15% alguns de seus produtos importados. Para isso, ela precisou diferenciá-los dos demais têxteis vendidos no mercado internacional. "Se eu quiser aumentar o preço de uma camiseta branca até consigo, mas vou perder mercado para China e Paquistão. No entanto, se eu faço uma jaqueta diferenciada, com um tecido de qualidade, bordados e tudo o mais, agrego valor, posso cobrar mais caro e saio do nicho onde meus concorrentes são muito fortes", explica Ulrich Kuhn, diretor-superintendente de mercado internacional.
A expectativa da Hering é manter o mesmo patamar de exportações de 2005: US$ 30 milhões. Internamente, o reajuste não pode ser tão forte. Há muita competição e a demanda não aceita mais do que o repasse da inflação, afirma Kuhn. A projeção em relação a demanda interna não é otimista. "Esperamos vender mais, mas não será um aumento espetacular", diz.
A Green, que vende as roupas infantis fabricadas aqui para as franquias internacionais da marca, também precisou reajustar seus preços de exportação, conta Patrícia Mascarenhas, diretora comercial. As lojas internacionais, que ficam na Itália e na Arábia Saudita tem sofrido com o câmbio. Ao contrário do que ocorre no Brasil, a marca ainda não é conhecida e precisa ganhar espaço no mercado. Portanto, não é possível cobrar preços muito altos, conta Patrícia.
O setor de calçados assistiu seus preços recuarem 3,56% no mercado interno no primeiro trimestre de 2006 ante o primeiro trimestre de 2005. Em compensação, conseguiu um reajuste de 7,6% nos preços externos. Márcio Utsch, presidente da São Paulo Alpargatas e vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), alerta que essas estatísticas escondem uma mudança no mix de produtos exportados pelo setor, porque o preço dos sapatos varia muito conforme o modelo.
Utsch diz que o setor vive uma situação complicada por conta do câmbio. Com o dólar barato, as empresas reduzem as exportações e redirecionam o produto para o mercado interno. Ao mesmo tempo, o produto importado fica mais competitivo. O resultado é uma concorrência acirrada.
O executivo explica que a São Paulo Alpargatas está em uma situação privilegiada, porque "só exporta marcas". A empresa é dona das sandálias Havaiana, dos tênis Rainha e Topper e licencia as marcas Mizuno e Timberland. Utsch conta que conseguiu reajustar preços e manter as margens nas Havaianas que exporta. Nos Estados Unidos, o preço da Havaiana, que variava entre US$ 16 e US$ 18 no início de 2005, agora está entre US$ 18 e US$ 20. O dólar barato também beneficia a companhia, pois reduz o preço da borracha, importante matéria-prima.