Título: Metade do país na lama
Autor: Khodr, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 21/08/2010, Brasil, p. 10

Pesquisa do IBGE mostra que quase 50% dos municípios brasileiros (2.495) não têm esgoto encanado. Em oito anos, o aumento da rede em todo o país foi de apenas três pontos percentuais. Estados com pior desempenho são Maranhão, Piauí e Pará

Maria Rodrigues Lima, 56 anos, mora em Águas Lindas de Goiás há 12 anos. Nesse período, o marido já construiu quatro fossas sanitárias diferentes, isso porque na rua onde moram nunca existiu rede de esgoto. Essa é a realidade de cerca de 30 milhões de domicílios por todo o país. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase metade dos municípios brasileiros (2.495) não tem rede de esgoto. A pesquisa revelou também que apenas 27% das cidades destinam os resíduos sólidos a aterros sanitários. E apesar de 99,4% dos municípios receberem água encanada, cerca de 320 mil pessoas de 33 cidades brasileiras ainda dependem de carros-pipa ou poços particulares.

A pesquisa apresentada pelo IBGE comparou dados de 2000 com aqueles apurados em 2008. Nesse período, a PNSB apontou que a quantidade de municípios com rede de esgoto aumentou apenas três pontos percentuais, passando de 52,2% em 2000 para 55,2% em 2008. Os estados com pior desempenho na cobertura de esgotamento foram Piauí, Maranhão e Pará, onde mais de 90% dos municípios não têm esgoto encanado. Na região de Maria Rodrigues, em Goiás, 71,9% dos municípios também não têm rede de esgoto. Aqui na rua onde moro ninguém tem esgoto. Há mais de um ano veio um grupo da prefeitura. Eles fizeram umas medidas, mas até agora nada. O pessoal constrói as fossas, mas logo elas enchem e têm de construir outra, lamenta. Das cidades onde o serviço é oferecido, apenas um terço faz o tratamento dos dejetos. Mais de 1.700 municípios do país despejam esgoto sem nenhum tratamento em rios, lagos e lagoas. É uma questão de planejamento urbano, de política de gestão pública, buscar adequação do esgoto, afirma o analista do IBGE Antonio Tadeu Oliveira. Para o especialista, as questões relacionadas à água, ao esgotamento sanitário e ao lixo são os principais desafios revelados pela pesquisa.

Os dados do IBGE indicam que o Brasil ainda não conseguiu atingir as metas de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs). A ideia era reduzir em 50% a quantidade de pessoas sem acesso à rede de esgoto ou à fossa séptica nas áreas urbanas. Os municípios menores, com menos de 50 mil habitantes, são os mais prejudicados. Segundo a pesquisa, as redes gerais coletoras são mais presentes naqueles de maior população. Todos com mais de 500 mil habitantes têm o serviço e 90% das cidades com população entre 100 mil e 500 mil habitantes também. A questão do esgoto é mais complicada nessas áreas porque tem que se implantar o sistema em municípios inteiros, explica o especialista.

Resíduos Quanto ao fornecimento de água, a solução seria ampliar a rede de abastecimento. Mas também melhorar a qualidade da água disponibilizada, já que 365 municípios recebem água sem nenhum tipo de tratamento e 526 não protegem as fontes de captação. Ou seja, a água que chega à casa dessas pessoas pode estar exposta a diversas formas de contaminação. Menos de um terço dos municípios brasileiros tem leis para proteção de mananciais minas de água, as nascentes. Outro problema apontado pela pesquisa é o destino dos resíduos sólidos: A maioria do lixo ainda é destinada a vazadores a céu aberto, conhecidos como lixões, afirma o pesquisador. No Nordeste é onde isso mais ocorre 89,3% dos municípios destinam os resíduos a lixões. Em compensação, o número de programas de coleta seletiva de lixo aumentou no país, passando de 451 para 994, nos últimos oito anos.

DILMA RECLAMA » A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, disse que os números divulgados pelo IBGE sobre saneamento básico ainda não refletem os investimentos que foram feitos pelo governo Lula nos últimos anos. Os números indicam uma realidade de 2008, em que 44% dos domicílios não tinham acesso à rede de esgoto. Nós começamos as obras do PAC, na área de esgoto, em 2008, porque levamos todo o ano de 2007 selecionando projetos, justificou.

Longe da meta

Na última terça-feira, o Correio apresentou estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostrando que 16 estados do país ainda não conseguiram reduzir em 50% o número de pessoas sem acesso a saneamento básico. De acordo com o compromisso firmado com a Organização das Nações Unidas, o Brasil tem até 2015 para cumprir esse que é um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.