Título: Governo Lula contrata 80 mil servidores por concurso público
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2006, Brasil, p. A3

Em quatro anos de mandato, o governo Lula está criando quase 82 mil novos cargos na administração pública federal. Trata-se de um aumento de 15,6% no número de servidores ativos da União. Considerando-se o número total de funcionários ativos e inativos, o crescimento da folha de pessoal é menor - de 7,2%. Do total de novos funcionários, 79.934 estão sendo contratados por meio de concursos públicos, sendo mais de uma terço deles relativos à reversão de atividades que foram terceirizadas em governos anteriores. O restante - 2.064 - refere-se à criação dos chamados cargos de confiança.

Ruy Baron/Valor Sérgio Mendonça: "Fortalecer o Estado é voltar a contratar servidores por concurso e recuperar os seus salários" O governo Lula aumentou também, nesses quatro anos, o efetivo militar, que passou de 588.754 no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso para 644.059 em 2005, um incremento de 9,4%. Além das contratações, o governo criou uma instância - a Mesa Nacional de Negociação Permanente - para negociar aumentos salariais e outros benefícios com dezenas de categorias dos servidores.

Entre 2003 e 2005 (último dado disponível), em função dessas negociações, o governo concedeu 44 reajustes salariais a 27 carreiras. As contratações e os reajustes provocaram aumento de R$ 23,5 bilhões na despesa anual total da União com pessoal. Tomando-se apenas o caso dos funcionários civis, o aumento nominal da despesa será de 48,6% ao longo dos quatro anos do mandato.

A política de pessoal do governo Lula vai na contramão da de seu antecessor, que, preocupado com o impacto das contratações sobre as contas públicas e sobre os gastos com aposentadorias a longo prazo, optou pela terceirização. No que diz respeito aos salários, o governo FHC priorizou os reajustes dos funcionários de nível superior, enquanto o atual governo, embora tenha concedido aumentos a todos os níveis, deu reajustes maiores aos servidores de nível intermediário (Ensino Médio completo).

"Cada governo é um governo. O presidente Lula foi eleito com compromissos. Ele teve uma forte base de apoio entre os funcionários públicos federais", justifica, em entrevista ao Valor, o secretário de Recursos Humanos (SRH) do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça. "Partimos da idéia de que era preciso voltar a fortalecer o Estado dentro dos limites fiscais da política econômica. E fortalecer é voltar a contratar por concurso e recuperar os salários."

O diagnóstico do governo Lula é o de que as administrações anteriores sucatearam órgãos importantes do Estado, como o Ibama, o Incra, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre (DNIT, ex-DNER), o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e as polícias Federal e Rodoviária Federal.

No DNIT, por exemplo, apenas sete engenheiros tinham, antes dos novos concursos, vínculo com a carreira pública. A maioria era terceirizada. No Ministério da Educação, de cada cinco funcionários, dois eram terceirizados. No Ministério da Saúde, 75% estavam nessa situação quando Lula tomou posse e, no Meio Ambiente, a terceirização abrangia 95% dos servidores.

Dentro da estratégia de "fortalecer o Estado", o primeiro objetivo do atual governo foi promover concursos para reaparelhar órgãos públicos. Em quatro anos, foi autorizada a realização de 304 concursos. O segundo objetivo foi substituir os funcionários terceirizados e também os contratados por meio de organismos internacionais. Para essa tarefa, o governo Lula contou com a ajuda do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal de Contas da União (TCU), que, desde 2002, vêm declarando que a terceirização para atividades típicas de Estado é ilegal e exigindo que as autoridades tomem uma providência para resolver o problema.

Em seu último ano de gestão, o governo FHC substituiu 3.300 servidores terceirizados. O governo Lula acelerou a substituição. Em quatro anos, 29.882 funcionários estão sendo contratados por concurso público para essa finalidade. Sérgio Mendonça calcula que ainda existam 30 mil terceirizados em atividade no governo federal. Para substituí-los, ele fechou acordo com o Ministério Público e o TCU para concluir o trabalho até 2010.

"O governo não é contra a terceirização, mas quer atuar com esse instrumento nas áreas que não sejam de atividade permanente do Estado e nas áreas estratégicas. Continuamos contratando terceirizados, por exemplo, para funções de transporte e segurança", informa o secretário. Funções como as de datilógrafo, ascensorista, motorista, recepcionista, telefonista e secretária (com exceção das executivas, que atendem a ministros) permanecerão terceirizadas.

O decreto 2.271, assinado em 1997 por Fernando Henrique Cardoso, definiu as atividades que podem ser terceirizadas e estabeleceu que as funções abrangidas por planos de cargos dos órgãos públicos não podem ser transferidas para empresas privadas. "O decreto não está sendo cumprido", sustenta Vladimir Nepomuceno, diretor de Relações do Trabalho da Secretaria de Recursos Humanos. Segundo ele, mesmo em alguns casos previstos no decreto, não é possível terceirizar todos os funcionários. Dois exemplos: os motoristas e seguranças que transportam valores da Casa Moeda para as sedes regionais do Banco Central.

Uma função em que a terceirização já foi eliminada pelo atual governo é o dos médicos-peritos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Na gestão FHC, optou-se por contratar supervisores via concurso e terceirizar os médicos. O último concurso para contratar esses peritos foi feito em 1978. Por causa disso, 80% do quadro já pode se aposentar. "A média de idade dos peritos era 57 anos", conta Vladimir Nepomuceno.

O governo Lula atribui à terceirização os casos de fraude e também de incompetência que teriam provocado, nos últimos anos, o aumento exponencial da concessão, pelo INSS, de auxílios-doença e de aposentadorias por invalidez. Em dois concursos (2005 e 2006), o governo Lula contratou 3 mil médicos-peritos, além de 2350 analistas e técnicos previdenciários. "No primeiro mandato de FHC, o atendimento de balcão do INSS, feito por pessoal de nível intermediário, também foi terceirizado", revela Nepomuceno, chamando a atenção para um serviço público muito criticado pela população.

Por essa razão, o governo quer evitar a terceirização de atividades permanentes e das atividades-fins do Estado. Foi pensando nisso que foram promovidos inúmeros concursos para substituição de terceirizados nos hospitais universitários, no INSS e nos ministérios da Educação e da Defesa. Segundo Nepomuceno, ainda há servidores temporários, contratados por meio de organismos internacionais, trabalhando, por exemplo, na área de controle de tráfego.

O governo Lula alega que a gestão anterior tratou como "projetos" atividades que são permanentes. Um exemplo seria o programa do Ministério da Saúde para a aids. "Todo o programa de aids, em que o Brasil é referência, não é feito por servidores públicos de carreira", critica Mendonça. "O servidor terceirizado não gera memória para o serviço público. Com isso, fica difícil ter continuidade na execução das políticas públicas", diz o diretor de Relações do Trabalho.

Mendonça alega que, mesmo com a contratação de 82 mil funcionários civis, o gasto com a folha de pessoal tem se mantido estável, em percentual do PIB. De fato, a inflação e a expansão da economia nos últimos anos ajudaram o governo a manter a despesa em 5,13% do PIB, mesmo patamar de nove anos atrás. Entre 1995 e 2004, a despesa de pessoal cresceu 111%, enquanto a receita líquida do governo expandiu 279,4%. "Não há descontrole", sustenta Mendonça.