Título: Reforma agrária da Bolívia preserva propriedade produtiva
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2006, Brasil, p. A4

O governo boliviano vai distribuir as terras públicas disponíveis exclusivamente para as comunidades indígenas do país, preferencialmente às mulheres, e vai reverter ao Estado toda a terra que não cumpra a função econômica e social. A distribuição para os indígenas tem algumas ressalvas. Estão fora da reforma as áreas protegidas ambientalmente e as terras outorgadas em concessão pelo Estado. Além disso, as comunidades que não fizerem uso sustentável da terra serão expropriadas, mas o governo está se comprometendo a dar apoio financeiro e institucional para os assentados.

Esses são os principais pontos do pacote de reforma agrária divulgado ontem no fim da tarde, na cidade de Cochabamba, pelo ministro do Desenvolvimento Rural, Agropecuário e Meio Ambiente, Hugo Salvatierra, o vice-ministro da Terra, Alejandro Almaraz, e o presidente em exercício, Alvaro Garcia Linera. No anúncio, o governo boliviano prometeu dar segurança jurídica às propriedades produtivas, enquanto declarou o fim dos latifúndios improdutivos.

"Fiquem tranqüilos", disse Garcia, dirigindo-se aos agricultores e grupos indígenas do país, ao anunciar que o plano marcará o fim dos latifúndios improdutivos, mas dará "plena segurança jurídica" às propriedades agrícolas produtivas grandes, pequenas e comunitárias.

O conjunto de decretos, que será submetido à Assembléia Nacional Constituinte (a ser criada com uma eleição marcada para 2 de julho), prevê medidas de agilização do processo de legalização e abertura para a participação social. Segundo Almaraz, as organizações ligadas ao setor, incluindo os empresários, poderão credenciar delegados para participar de todos os processos de legalização.

Amplamente aguardado pelos produtores rurais, especialmente os grandes, que temiam perder suas propriedades, o pacote foi considerado "positivo" pelo presidente da Associação dos Produtores de Oleaginosas e Trigo da região de Santa Cruz de La Sierra, Carlos Rojas. "A pressão do setor produtivo fez com que o governo abrisse o diálogo", afirmou Rojas, lembrando que a distribuição de terras públicas para os indígenas foi um pedido dos agricultores a Evo Morales em abril.

Outro ponto positivo para os produtores, segundo Rojas, foi a ausência da palavra "expropriação" e de referências à nacionalidade dos produtores - os "sojeiros" brasileiros são donos de 25% da produção de grãos no país. Os decretos falam em "reversão" ao Estado de terras improdutivas, diferente de expropriação que poderia indicar um critério mais amplo de tomada das terras que produzem, explicou Rojas.

O governo também atendeu pedidos dos agricultores ao manter o programa atual (de 1996) de legalização das terras e acrescentar medidas de agilização do processo. Em dez anos do decreto de legalização (1715/96), o governo gastou US$ 100 milhões e só conseguiu legalizar 17% das terras.

Frisando que ainda não tinha tido acesso ao teor dos decretos, Carlos Rojas disse que o único ponto negativo do plano anunciado ontem é a centralização das atividades do departamento de reforma agrária (INRA) no governo central - o órgão atua através de unidades autônomas nos diversos departamentos (Estados) da Bolívia.