Título: País precisa de ajuste fiscal mais ousado e reformas na Previdência, diz Pastore
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2006, Brasil, p. A5

Os ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Dilma Roussef, da Casa Civil, podem discordar, mas cresce entre economistas e especialistas em contas públicas a crença de que é imprescindível ao país um ajuste fiscal mais ousado, com redução de gastos correntes e novas mudanças na Previdência. Esses ajustes contribuiriam para ampliar a confiança e reduzir as taxas de juros, com efeitos benéficos para o crescimento econômico brasileiro, na avaliação de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, que ontem participou do 18º Fórum Nacional, no Rio.

Nelson Perez/Valor Raul Velloso: "Enquanto persistir a dúvida sobre a evolução futura do superávit primário, o juro não vai poder cair tão cedo" Um ajuste fiscal também indicaria que o superávit primário (receitas menos despesas, excluindo o pagamento de juros) pode ser sustentável. Se as despesas não financeiras da União crescerem no mesmo ritmo dos últimos dez anos, o especialista Raul Velloso calcula que o governo central sairia de um superávit de 2,3% do PIB - estimado por ele para 2006 - para um déficit primário de 1,6% do PIB em 2014. Em 2005, o superávit primário da União foi de 2,9% do PIB.

Dentro do governo, um plano de dez anos para reduzir as despesas correntes tem sido defendido pelo ministro do Planejamento Paulo Bernardo, mas foi rechaçado por Dilma, que o classificou de "rudimentar", e por Mantega. Curiosamente, os três tinham confirmado suas presenças no Fórum, mas não apareceram. Com a ausência das mãos fortes do primeiro escalão, coube ao secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, defender que muito já foi feito .

No campo macroeconômico, todos reconhecem os avanços no balanço de pagamentos, a melhora no perfil da dívida pública e a redução da vulnerabilidade externa. "Não nego que houve melhora dos fundamentos do país, mas sustento que parte desse avanço se deve ao fluxo externo, à liquidez excepcional do mercado internacional", diz Pastore.

O ex-presidente do BC destacou, por exemplo, que o Brasil e outros países emergentes colheram os frutos da alta das commodities no mercado internacional e do aumento do fluxo de capitais, com a conseqüente queda nos prêmios de risco dos títulos emitidos por esses países. "A nossa divergência em relação aos demais emergentes é que eles cresceram 5% ao ano de 1998 a 2002. Nós, nos últimos, 5, 10, 15, 20 anos, crescemos a uma taxa média de 2,7%", explica.

Para que o crescimento seja maior, segundo Pastore, o país precisa: de um ajuste fiscal mais ousado ("um aumento da carga tributária geraria distorções, como o PIS e Cofins, que retardaram investimentos"); da ampliação do crédito de médio e longo prazo para as empresas e setor imobiliário; da atração de investimentos privados para infra-estrutura; e de uma maior abertura da economia, com redução de barreiras tarifárias e o aumento da integração comercial.

Para Raul Velloso, ex-secretário para assuntos econômicos do Ministério do Planejamento, o principal fator que impede o crescimento econômico é a questão fiscal. "Enquanto persistir a dúvida sobre a evolução futura do superávit primário da União, as taxas de juros não vão poder cair tão cedo."

A solução para o problema, diz, passa por uma profunda reforma da Previdência, com a desvinculação do salário mínimo (que passaria a ser reajustado pela inflação), e pelo corte nos gastos de pessoal dos poderes autônomos. Os dados mostram, segundo ele, que a queda do superávit da União se dá rapidamente, antes mesmo da entrada em vigor do novo mínimo.

Velloso fez uma projeção mostrando que se o gasto público crescer metade do registrado no período 1995-2006 o superávit da União cairia de 2,3% para 0,4% do PIB em 2014. "Se crescer à mesma taxa, gerar-se-ia um déficit primário de 1,6% do PIB." Isso quer dizer que, se a União precisasse manter um superávit primário de 2,3% do PIB até 2014 para manter a dívida líquida do setor público sob controle, haveria uma pressão para aumento de impostos de R$ 80 bilhões, ou cerca de 4% do PIB, disse Velloso. "Imagino que chegará uma hora em que a sociedade não aceitará mais impostos."

Velloso bate na tecla de que é necessário desvincular o salário mínimo dos benefícios da Previdência, mas um estudo do economista Marcos Mendes, consultor do Senado, mostra que há muito a fazer nas chamadas outras despesas correntes, como as dos poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas, que têm autonomia orçamentária. Enquanto esses poderes aumentaram suas despesas de 0,2% do PIB para 1,2% do PIB de 1985 a 2003, os gastos do governo federal com transportes caíram de 2% do PIB para 0,2% do PIB em igual período.

"O gasto médio por servidor do Judiciário é de R$ 9 mil, em comparação com R$ 3,2 mil no Executivo. E a despesa per capita do Judiciário só é menor que a da Itália", disse Mendes, que propõe uma Emenda Constitucional para fixar tetos para as despesas desses poderes.