Título: União corta R$ 14,2 bi em gastos e admite um superávit menor
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2006, Brasil, p. A5

O governo federal deixou para suas empresas estatais a maior parte do esforço fiscal extra que precisa perseguir para compensar a redução da expectativa de superávit primário no âmbito de Estados e municípios. Com isso, aliviou o contingenciamento do orçamento fiscal e da seguridade, que acabou ficando em R$ 14,2 bilhões. O número foi anunciado ontem e, como havia sinalizado o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, em entrevista ao Valor, pressupõe superávit primário de 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor público.

O próprio ministro do Planejamento, Paulo Bernardo - que depois da entrevista de Kawall havia descartado a possibilidade de o governo trabalhar com meta inferior a 4,25% do PIB este ano - fez o anúncio. A diferença corresponde ao ajuste previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que permite reduzir o esforço de superávit no mesmo montante do Projeto Piloto de Investimentos (PPI).

Sem recorrer ao ajuste permitido na LDO e assumindo sozinho a compensação pela queda do superávit esperado dos governos regionais, o governo federal teria sido obrigado a anunciar um corte de R$ 20,36 bilhões no orçamento fiscal. Não por acaso essa foi a ordem de grandeza inicialmente cogitada do contingenciamento. Dos R$ 6,16 bilhões que conseguiu evitar em cortes, R$ 3 bilhões correspondem ao orçamento do PPI para 2006 (0,14% do PIB), abatido da meta, e R$ 3,16 bilhões ao esforço fiscal extra que empurrou para as estatais (0,15% do PIB).

A equipe econômica trabalhava, inicialmente, com a expectativa de que Estados, municípios e respectivas estatais seriam capazes de gerar resultado fiscal primário de 1,1% do PIB em 2006. Sobraria para o governo federal economizar 3,15% do PIB para se atingir a meta "cheia" do conjunto do setor público (4,25% do PIB), isto é, sem o ajuste relacionado ao PPI.

Já no início deste ano, porém, a projeção de superávit dos governos regionais foi revista para 0,9% do PIB, levando o governo federal a elevar para 3,35% do PIB o esforço da União e suas empresas. Ao fazer a programação financeira que resultou no contingenciamento de dotações orçamentárias, os ministérios da Fazenda e do Planejamento decidiram que, desse 0,2 ponto percentual a mais de superávit, três quartos ficarão com as estatais. Com isso, a meta para as empresas federais subiu de 0,7% para 0,85% do PIB.

O superávit primário buscado em relação ao orçamento fiscal, por sua vez, foi elevado em apenas 0,05 ponto percentual, para 2,5% do PIB. Equivalente a R$ 52,6 bilhões, esta meta, porém, não considera no cálculo do superávit as despesas relacionadas ao PPI, explicou a Secretaria de Orçamento Federal. Incluindo-as entre os demais gastos, o superávit projetado cai para R$ 49,6 bilhões ou 2,36% do PIB no âmbito do orçamento fiscal. Assim, com as estatais, a meta efetivamente válida para a União ficou em 3,21% do PIB.

"Consideramos que, se conseguirmos um superávit de 3,2% do PIB no governo federal, teremos cumprido a meta", admitiu, finalmente, o ministro Paulo Bernardo, durante o anúncio do decreto de contingenciamento. Se os Estados e municípios fizerem 0,9% do PIB, como espera o governo, o superávit do conjunto do setor público alcançará, portanto, 4,1% do PIB em 2006. Como em anos anteriores, no entanto, sempre há chance de o governo federal não conseguir gastar o que pretende e fazer superávit superior a isso ou mesmo a 4,25% do PIB.

Bernardo admitiu também que esta é a "primeira vez" que o governo considera de fato o uso da prerrogativa da LDO em relação ao PPI. Embora os últimos projetos de Orçamento já viessem sendo elaborados acordo com esta regra, quando Antonio Palocci, antecessor de Guido Mantega no Ministério da Fazenda, comandava a equipe econômica, o governo nunca admitiu perseguir, na prática, superávit inferior a 4,25% do PIB, mesmo sendo autorizado pela LDO.

O contingenciamento recaiu apenas sobre um conjunto de despesas que somam, na lei orçamentária, R$ 97,4 bilhões, R$ 92,1 bilhões das quais do Poder Executivo, num universo total de mais de R$ 400 bilhões de gastos primários. São as despesas discricionárias - as demais são obrigatórias. Dos R$ 14,2 bilhões cortados até segunda ordem, R$ 14,06 bilhões referem-se ao Executivo e restante aos demais poderes da União.

No Executivo, o corte recaiu mais sobre investimentos (R$ 8,75 bilhões) do que sobre custeios (R$ 5,315 bilhões). As ações orçamentárias que mais sofrerem são as incluídas ou reforçadas por emendas do Congresso - R$ 9,7 bilhões são de emendas parlamentares.

Incluindo R$ 3,76 bilhões de créditos orçamentários abertos por Medidas Provisórias antes da aprovação do Orçamento pelo Congresso, o limite de gastos discricionários do Executivo ficou em R$ 81,8 bilhões, R$ 15,5 bilhões para investimentos. Na lei orçamentária (sem MPs), eles chegavam a R$ 21,75 bilhões.

O corte foi necessário porque as despesas obrigatórias vão ultrapassar o previsto no Orçamento. Também motivou a decisão do governo a previsão de receita menor que a do Congresso, embora superior à do projeto original.