Título: A quem interessa o extermínio da indústria nacional?
Autor: Humberto Barbato
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2006, Opinião, p. A10
O Brasil ingressou no cenário político-econômico mundial no século XIX, sob a liderança do Império Britânico, permanecendo por muitos anos na periferia do livre comércio, como uma economia primário-exportadora. Com o objetivo de estimular o progresso e fazer deste país continental uma grande nação, as forças vivas e dinâmicas da sociedade buscaram, no início do século passado, a industrialização do Brasil.
Recorrer à história em tempos de grandes mudanças, de muita turbulência e globalização é fundamental. Desta maneira torna-se mais fácil notar que os períodos de maior prosperidade e crescimento sempre ocorreram quando duas vertentes foram conjugadas: o comércio exterior e os investimentos industriais.
A dívida externa brasileira, que cresceu demasiadamente a partir dos dois choques do petróleo e do aumento expressivo dos juros americanos promovido pelo governo Reagan - atingindo patamares só comparáveis aos brasileiros - acabou por travar o crescimento econômico que vivíamos nos anos 1970.
O Ciesp publicou no final do ano passado uma consulta realizada junto a seus associados, que trouxe importantes informações sobre a inserção da indústria de São Paulo no cenário internacional. A pesquisa permitiu concluir que, ao longo dos anos, os líderes empresariais que comandam os negócios do país foram estimulados a desenvolver a cultura da exportação, fundamental para a geração de divisas.
Com isso, gerou-se um aumento da capacidade industrial em vários setores, geralmente superior à demanda local. Exportar deixou de ser uma atividade marginal para se tornar um fator de sobrevivência para muitas empresas.
A necessária geração de divisas norteou a política econômica e externa do Brasil durante mais de duas décadas e, consequentemente, sucessivos governos travaram duras negociações no GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) para conquistar a redução de tarifas industriais junto aos países desenvolvidos.
A política monetária e cambial insiste em erros cometidos num passado recente e não busca o crescimento do país Esse longo trabalho de inserção da indústria brasileira no mercado externo permitiu que hoje 83% das empresas exportadoras filiadas ao Ciesp entendam que a exportação é a forma mais adequada para inserir-se no mundo globalizado. Ou seja, não só foi criada uma cultura exportadora, ratificada nos excelentes números de nossa balança comercial, como as indústrias mostraram-se conscientes de que, ou se atualizam e se inspiram no que o mundo oferece de mais moderno, ou elas sucumbirão.
Mas de que adianta tal conscientização se a política monetária e cambial, que nada tem de original, insiste em erros cometidos num passado recente, não busca o crescimento do país, da indústria e muito menos das exportações?
A atual apreciação do real, inicialmente, deu a arrancada para a importação de componentes sob o regime de drawback, o que permitiu a manutenção de contratos de exportação, que do contrário estariam absolutamente inviabilizados. Em seguida, a alta volatilidade do câmbio tornou inócuas as tarifas de importação vigentes, o que acabou por viabilizar a importação de componentes para produtos destinados ao mercado interno. Naturalmente, logo em seguida, iniciou-se a terceira fase do desmonte industrial, com a importação de produtos finalizados e a conseqüente exportação de postos de trabalho.
Mesmo com as seguidas advertências feitas pelas mais expressivas lideranças do País, incluindo-se aí presidentes de empresas transnacionais aqui instaladas, nada foi feito e, novos investimentos acabaram por ser interrompidos. Ficou muito caro produzir no Brasil. Agora, assistimos a mais substancial remessa de lucros ao exterior registrada nos últimos anos, o que significa o repatriamento do capital estrangeiro produtivo aqui instalado. Afinal de contas, para que manter reservas no Brasil se não há perspectiva de crescimento e, por conseguinte, de investimento?
Temos assistido recentemente a transferência de plantas industriais e de investimentos, inclusive de empresas brasileiras, para a China e Rússia. Até mesmo a Argentina, país que quebrou face a manutenção da paridade irreal do câmbio ao longo dos anos, o que gerou sua desindustrialização, já é alvo de investimentos que antes seriam destinados ao Brasil. Como se isso não bastasse, em meados de fevereiro foi editada a MP 281, que isentou do imposto de renda as aplicações estrangeiras em papéis brasileiros, atraindo mais moeda estrangeira especulativa, sem a adoção de qualquer mecanismo de compensação. Essa medida, associada à homeopática política de queda dos juros, só aumenta a apreciação do real.
Felizmente, a chegada de Guido Mantega ao ministério da Fazenda interrompeu a inoportuna discussão sobre o corte unilateral das tarifas de importação, que se daria no mesmo momento em que assistimos ao crescimento exponencial na importação de "bugigangas" da China, país que produz sem nenhuma preocupação ambiental e onde o dumping social ocorre sem cerimônia.
Mas a quem pode interessar o extermínio da indústria nacional? É evidente que o país não pode voltar a um modelo primário-exportador, que privilegiava unicamente a exportação de commodities agrícolas. Seguramente não será essa a fórmula encontrada, quando necessitamos gerar empregos suficientes para evitar o surgimento de novos miseráveis no Brasil.