Título: Trégua externa derruba risco-país
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2006, Finanças, p. C2

Dados tranqüilizadores divulgados ontem sobre a economia americana baixaram a febre de venda de bônus e moedas de países emergentes. Desde quinta-feira passada, os investidores institucionais mais especulativos, os hedge funds, vinham se desfazendo de ativos sujeitos a risco por temerem um ciclo de alta mais prolongado dos juros nos EUA. Esses temores foram parcialmente dissipados ontem. Indicadores mostraram que os EUA não estão crescendo num ritmo capaz de sancionar o repasse para o consumo da alta dos preços do petróleo e das commodities.

O Índice de Preços ao Produtor (PPI, em inglês), que mede a inflação no atacado, disparou 0,9% em abril, mas o seu núcleo, após a exclusão do choque da energia, avançou somente 0,1%, quando a aposta era de uma alta de 0,2%. O fato de a escalada do petróleo não se espraiar pela cadeia produtiva revela que não há pujança econômica. Sai hoje o indicador relativo ao varejo, o CPI. Este também deverá mostrar que o grau de aquecimento atual dos EUA não chancela repasses. Outros dados divulgados ontem confirmaram isso. O número de novas construções de moradias, iniciadas no mês passado, caiu 7,4% em relação a março, denotando um processo natural de descompressão da bolha imobiliária.

Inflação americana dissipa temores A produção industrial também não está bombando. Ela cresceu 0,8% em abril ante 0,6% em março. A capacidade de ocupação da indústria subiu para 81,9% em abril, nada esplendoroso em relação aos 81,4% de março. Por esses dados, Ben Bernanke já pode se sentir confortável para descer do muro em que se encontra desde que assumiu o Fed, em abril, e sinalizar com convicção a pausa monetária. Mas, para alguns analistas, não é a inflação, tampouco a atividade econômica, o motivo real da indecisão de Bernanke.

A vacilação decorre da concorrência que os outros países do G7 estão movendo pelos recursos mundiais. Os juros de curto e longo prazo sobem em todo mundo e o grande mercado de títulos da dívida americana revela-se cada vez mais vulnerável e sensível aos movimentos monetários da Europa e do Japão. Em uma conjuntura em que os juros do G7 sobem e competem entre si, o juro americano será forçado a avançar para um nível suficientemente elevado para continuar atraindo 85% da poupança global. Esta é a necessidade de financiamento dos EUA em função do seu megadéficit, sem precedentes históricos, em conta corrente.

"Como um devedor desesperado encostado contra a parede por um loan shark, os EUA vão ter que pagar qualquer preço. Ironicamente, o tamanho do ajuste será ainda maior em virtude da taxa se encontrar em níveis muito baixos, como consequência da aquisição maciça de treasuries americanos pelos bancos centrais de todo o mundo", observa o economista Marcelo Ribeiro, da Pentágono Asset. Apesar das fortes quedas sofridas pelas ações, bônus e moedas de países emergentes, os preços desses ativos ainda não estão ajustados a um período de arrocho monetário global. "Acredito que o movimento dos últimos dias é apenas o início de um longo e doloroso processo de ajuste", prevê Ribeiro.

Os mercados brasileiros aproveitaram bem a trégua de ontem. O dólar comercial, apesar do leilão de compra feito pelo Banco Central às 15h15 - aceitou 11 propostas e recolheu cerca de US$ 500 milhões - fechou em baixa de 2,33%, cotado a R$ 2,1350. O risco-país tombou 3,19%, para 243 pontos-base. A Bovespa subiu 0,36%, apesar das quedas em Nova York (o Dow Jones cedeu 0,08% e o Nasdaq, 0,42%) E os juros caíram no mercado futuro da BM&F. O contrato para a virada do semestre caiu de 15,35% para 15,33% e o relativo à virada do ano recuou de 14,83% para 14,80%. Em época de arrocho monetário global e acirramento da disputa pelos capitais ociosos, o DI futuro sustenta a aposta de que o ritmo de queda da Selic será diminuído de 0,75 para 0,50 ponto na reunião do Copom marcada para o fim do mês.