Título: Governo estuda cobertura flexível
Autor: Alex Ribeiro e Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2006, Finanças, p. C1
As medidas em estudo pelo governo para flexibilizar a exigência de cobertura cambial poderão ter, na visão do Banco Central, efeitos importantes na redução do custo de transações das empresas, mas seu impacto será nulo para reverter o quadro de real valorizado.
A cobertura cambial, criada pelo decreto 23.258 de 1933, é a exigência do exportador trazer ao país os dólares de suas vendas ao exterior. Ela se combina com outra regra, a proibição da compensação privada (decreto 9.025 de 1946 e Lei 4.131 de 1962), que obriga que as operações de câmbio sejam feitas apenas pelo BC ou por instituições autorizadas.
Ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reuniu-se por cerca de duas horas com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para discutir esse e outros assuntos. Mantega tem consultado diversos economistas e analistas privados sobre a questão cambial, preocupado que está com a valorização da moeda doméstica e os custos que isso poderá impor ao próprio crescimento futuro da economia. Razão pela qual, pretende adotar medidas que, senão resolvem, pelo menos minimizem o problema. Hoje, na Fiesp, o ministro falará do tema.
O BC considera que essa combinação de regras cria um custo desnecessário às empresas, sobretudo aquelas que são ao mesmo tempo exportadoras e importadoras, ou que têm dívidas em dólares. A legislação obriga a empresa a trazer os dólares de suas exportações ao Brasil para, em seguida, voltar a comprar moeda estrangeira para pagar importações ou dívidas.
O BC não tem cálculos próprios sobre os custos dessa exigência, mas as estimativas da federação das Indústrias de São paulo (Fiesp) é que representem entre 3% e 4% das exportações. Na visão da autoridade monetária, esse é um custo desnecessário, por isso resolveu apoiar as linhas gerais de um projeto, inspirado em proposta da Fiesp, apresentado pelo senador Fernando Bezerra (PTB-RN) e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
As divergências do BC são sobre o caráter extremamente abrangente da proposta, que revoga uma série de dispositivos legais que, entre outras coisas, evitam a lavagem de dinheiro. Mas a avaliação do BC - expressa publicamente em março pelo então diretor de Assuntos Internacionais, Alexandre Schwartsman - é que o fim da cobertura cambial terá efeito nulo sobre a cotação do dólar.
Em 2005, argumenta um técnico, o governo ampliou para 210 dias o prazo para os exportadores ingressarem no país com os dólares de suas exportações. Mas a medida não alterou o prazo médio de ingresso de dólares de exportadores, que permaneceu estacionado em 120 dias.
O BC fez, ao longo dos anos, um trabalho de liberalização cambial utilizando todos os meios ao seus alcance. Mas o projeto deixou de avançar quando foram esgotadas as medidas no âmbito do próprio BC e do Conselho Monetário Nacional (CMN). Avanços adicionais, portanto, dependem do Congresso.
Ainda está sendo estudado pelas áreas jurídicas do Ministério da Fazenda, com a participação do BC, qual é o instrumento mais adequado para revogar a exigência de cobertura e a proibição de compensação privada. Uma medida provisória seria o caminho mais rápido - sobretudo em ano de eleição, em que a atividade legislativa se reduz - , mas ainda não se sabe se seria possível.
Bezerra e Renan apresentaram um projeto de lei complementar tratando do assunto, regulamentando o artigo 192 da Constituição. MPs não podem, porém, tratar de assuntos privativos de leis complementares. Por outro lado, a cobertura cambial e a proibição de compensação privada são estabelecidas por decretos e leis - o que, em tese, não elimina a hipótese de MP.