Título: Contrato do gás é equilibrado, afirma ex-diretor da estatal
Autor: Cláudia Schüffner e Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2006, Brasil, p. A3

O presidente da Bolívia, Evo Morales, comete um equívoco ao atacar a Petrobras sem ter estudado antes a história da construção do gasoduto Bolívia-Brasil. A avaliação é de Antonio Luiz de Menezes, ex-diretor da Petrobras que na década passada ocupou um cargo cujo nome resume os desafios que enfrentou para construir o gasoduto. Ele foi superintendente do empreendimento de viabilização do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) entre 1995 e 1998, antes de presidir a Gaspetro e, depois, assumir duas diretorias da estatal, a de Serviços (1999-2001) e a de Gás e Energia (2001-2002).

"O Morales devia dar graças a Deus pelo fato de o petróleo custar US$ 70 hoje. Eles não têm do que reclamar, porque não fizeram nada para viabilizar a indústria de gás que têm hoje. Estamos pagando muito bem", afirma ele.

Segundo dados da Petrobras, o preço do gás para o volume de até 16 milhões de metros cúbicos/dia subiu 378% entre 1999 e 2006, enquanto o petróleo tipo "brent" subiu 299%. O gás adicional a esse volume variou 218%. Pelo contrato, o gás comprado pelo Brasil à Bolívia tem preços diferentes para faixas de volumes adquiridos.

Para Menezes, as acusações que vêm da Bolívia dizendo que a Petrobras deve ao país e que lá opera ilegalmente, são injustas. Para ele, a estatal não tem culpa de qualquer omissão de informação dos governos anteriores aos órgãos bolivianos, sé é que isso aconteceu. "A Petrobras tem todo o direito de sentir-se ofendida. Não só viabilizamos o contrato da venda do gás como financiamos os bolivianos que, durante a construção, não tinham como dar garantias ou obter financiamento de outra fonte."

Menezes, que hoje tem uma empresa de consultoria, a Albra Engenharia e Meio Ambiente, acha que o primeiro equívoco de Morales é desconhecer que a compra de gás da Bolívia pelo Brasil foi concretizada pela Petrobras e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), antes do processo de capitalização que resultou, na prática, em privatização dessa última. O negócio cumpriu acordo firmado pelos países no início da década de 90. Ele determinava que a YPFB e a Petrobras viabilizassem o projeto.

"Havia o interesse da Bolívia em vender gás e o do Brasil em comprar. Estávamos interessados em aumentar a participação do gás na nossa matriz energética. E eles não tinham mercado, mas tinham boas perspectivas de reservas (de gás), enquanto o Brasil tinha um grande mercado e poucas perspectivas de reservas", lembra Menezes.

Ele explica que, partindo dessa premissa, os acordos previam um "gatilho" que daria início à integração. Ele seria disparado quando as empresas dos dois países viabilizassem o transporte do gás. A agenda previa a busca de recursos para o gasoduto, a definição da tecnologia, a confirmação das reservas de gás, a abertura de mercado no Brasil e a assinatura dos contratos de venda para as distribuidoras estaduais, questões de meio-ambiente, e jurisprudência, tudo respaldado por tratados bilaterais.

"O gatilho foi acionado no dia em que resolvemos como financiar a Bolívia. A solução foi o Brasil garantir o projeto. Nós estruturamos um financiamento para a YPFB, tudo garantido pelo Tesouro Nacional, o que só foi possível com a entrada da Petrobras com 51% no projeto", lembra Menezes.

Foi assinado, então, um contrato de engenharia, construção e montagem (EPC) do trecho boliviano do gasoduto, que seria pago com redução da tarifa por um período de 10 a 12 anos. Menezes lembra que, na época, a Petrobras conversou com a direção da Itaipu Binacional (Brasil-Paraguai), sobre as regras e a legislação com vistas à criação de outra empresa binacional. A direção da hidrelétrica na época, desaconselhou a Petrobras.

Ao recordar o nascimento do Gasbol, Menezes ressalta que tudo foi desenhado para que Brasil e Bolívia tivessem um "casamento indissolúvel" por 20 anos, renováveis. Ele também rebate as afirmações de que o contrato de venda tem cláusulas que prejudicam a Bolívia. Ele prevê reajuste trimestral baseado na variação de três óleos combustíveis no mercado mundial. A cláusula prevê que 50% do preço do gás é baseado na cotação atual e 50% nos últimos três meses, como um amortecedor tanto para aumentos como para quedas bruscas nos preços externos.