Título: Morales sinaliza que não vai indenizar empresa
Autor: Cláudia Schüffner e Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2006, Brasil, p. A3
Se valer a afirmação de ontem do presidente da Bolívia, Evo Morales, a Petrobras definitivamente não será indenizada pela nacionalização de campos de exploração de gás e petróleo. Numa visita movimentada ao Parlamento Europeu, ele disse dispor de informações de auditorias mostrando que as petroleiras já recuperaram os investimentos feitos nos dois "megacampos" de San Alberto e Margarita. Segundo seu porta-voz, Alex Contreras, esses são os dois maiores campos explorados pela Petrobras na Bolívia.
"As petroleiras ganhavam muito e a Bolívia quase nada", afirmou, depois de indicar que só haverá compensação eventualmente para instalações. Morales deu o exemplo da própria Petrobras para argumentar junto a deputados europeus que a nacionalização não afugentará os investidores estrangeiros. "Primeiro, a empresa disse que não investiria mais na Bolívia. Em Foz do Iguaçu, o presidente Lula disse que investirá, sim", afirmou, após chamar o presidente brasileiro de "companheiro mais velho".
Em entrevista ao jornal "Financial Times", presidentes de grandes companhias de petróleo reagiram diferentemente à situação na Bolívia. Jeroen van der Veer, principal executivo da Shell, advertiu que a crescente nacionalização nos países com óleo e gás é uma "nova realidade" para a indústria e que "os governos são sempre os patrões". Já Thierry Desmarest, da francesa Total, gostaria de começar a explorar gás na Bolívia, mas "não a qualquer condição".
A visita de Morales ao Parlamento Europeu quebrou a monotonia de uma sessão de segunda-feira. Primeiro, o Partido Popular Europeu (PPE), conservador, queria que o Parlamento o desconvidasse. Não conseguiu. O mesmo PPE fez Morales esperar enquanto queria aprovar moção qualificando a nacionalização do gás e óleo uma violação dos direitos humanos. Foi igualmente rejeitada. Morales entrou no plenário enquanto deputados da direita abandonavam o recinto. De 732 membros do Parlamento, ficaram menos de 150, no lado esquerdo do plenário, não poupando palmas em pé para o presidente boliviano.
O presidente do Parlamento Europeu, o espanhol Josep Borrel, disse que a visita de Morales simbolizava, entre outras coisas, a importância do diálogo, e não conflito, para resolver pendências. Numa referência indireta à desconfiança em relação a Morales, Borrel lembrou-lhe as "leis cósmicas" dos índios bolivianos: não roubar, não ser fraco e não mentir.
Morales, que não cessa de mudar de opinião, justificou a nacionalização como o meio para acabar com o "Estado mendigo". Exemplificou que só o aumento do preço do gás, "que não é chantagem", vai acabar com o déficit orçamentário do Estado. Não escondeu que se inspirou no modelo de Hugo Chávez. "Há sete anos, ele não tinha nem para pagar o magistério. Agora tem muita 'plata' e começa a ajudar incondicionalmente outros governos."