Título: Os ambientalistas e a energia nuclear
Autor: José Goldemberg
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2006, Opinião, p. A12

Estão se tornando cada vez mais freqüentes as "conversões" de ativistas antinucleares a entusiastas dessa forma de energia. O último desses "convertidos" é Patrick Moore, descrito pelo Washington Post como "co-fundador" do Greenpeace no início dos anos 70 e hoje diretor e cientista-chefe de uma instituição chamada Greenspirit Strategies Ltd., cujas páginas na Internet mostram claramente que se trata de mais um escritório de consultoria e lobby para empresas de energia nuclear (além das de mineração, de extração de madeira e de biotecnologia). Ele escreveu recentemente um artigo no jornal "O Estado de S. Paulo" tentando demolir os argumentos contra a energia nuclear que o Greenpeace usou com tanta freqüência nos últimos 30 anos. Estes argumentos são os seguintes: energia nuclear é cara; as usinas nucleares não são seguras; o lixo nuclear é perigoso por milhares de anos; reatores nucleares são potenciais alvos de ataques terroristas e o combustível nuclear pode ser desviado para a fabricação de armas nucleares.

Em apoio à sua nova posição, Patrick Moore invoca o ambientalista James Lovelock, que acredita que a energia nuclear é a "única maneira de evitar uma catástrofe climática". As manifestações de Lovelock, favoráveis à energia nuclear, têm sido criticadas severamente porque simplesmente não é verdade que usinas nucleares, substituindo usinas geradoras de energia elétrica a partir do carvão, não impliquem emissões de carbono. Isso só ocorre quando a usina nuclear produz a eletricidade. Contudo, não se pode esquecer as etapas de mineração do urânio, de preparação e enriquecimento do combustível nuclear a partir do minério de urânio e de desmontagem futura da usina quando ela concluir sua vida útil. Nessas etapas, grandes quantidades de combustível fóssil são necessárias, gerando consideráveis emissões de gases de efeito estufa.

É claro que as pessoas podem mudar de opinião, mas o que é inquietante nessas "conversões" é que elas enfraquecem o movimento ambientalista como um todo, mesmo no que ele tem de salutar. Os "convertidos" reforçam a opinião de que muitos dos ativistas de organizações não-governamentais (ONGs, como o Greenpeace, por exemplo) eram uns desinformados (ou "motivados politicamente") e que, por conseguinte, outras das suas "bandeiras" também são frutos de desinformação: a proteção às baleias, a oposição à construção de certas hidrelétricas em regiões ecologicamente sensíveis, a questão dos transgênicos, dentre outras. Assim, tais "convertidos" abalam a crença nos ideais e na competência dos ambientalistas que se opuseram até agora a projetos e programas problemáticos.

A energia nuclear se tornou popular na década de 70, quando era vista como uma resposta às crises do petróleo; entretanto, essa popularidade desapareceu devido à escalada de custos e preocupações com a segurança nuclear, abalada pelos acidentes de Three Mile Island, em 1979, e de Chernobyl, em 1986. Desde então, não foi iniciada a construção de nenhum novo reator nuclear nos Estados Unidos e vários países da Europa decidiram desativar os que possuíam ao atingir o fim de sua vida útil.

O uso de combustível nuclear na fabricação de armas nucleares não é um produto da imaginação, mas um problema real Argumentar que o acidente de Chernobyl só poderia acontecer na União Soviética é zombar dos que se preocupam com acidentes de trens e aviões. Inúmeros pequenos acidentes nucleares - felizmente de pequena monta - ocorreram, desde então, no Japão e em outros países. A probabilidade de ocorrência de outros acidentes cresce consideravelmente com a proliferação do chamado "uso pacífico" da energia nuclear em países como o Irã e a Coréia do Norte.

Tecnologias modernas e complexas são vulneráveis a acidentes e o problema é minimizar suas conseqüências. Por essa razão, afirmar que lixo radioativo é um problema facilmente solúvel (como argumenta Moore) é algo irresponsável. Lixo radioativo é ainda um problema insolúvel e mesmo o único depósito definitivo em construção nos Estados Unidos, não entrou em operação.

Quanto a ataques terroristas a reatores nucleares, os argumentos usados pelo Greenpeace no passado sempre foram pouco convincentes. Lançar um avião contra as paredes de um reator nuclear nunca foi a melhor maneira de destruí-lo: o que provocou o acidente em Chernobyl foi a imperícia dos operadores. Terroristas mais sofisticados usariam outros métodos em lugar de aviões.

Finalmente, o fato de que combustível nuclear pode ser usado para a fabricação de armas nucleares não é nenhum produto da imaginação, mas um problema real. O esforço de alguns países desenvolvidos em provocar uma "renascença" dessa forma de energia está aumentando as preocupações com a proliferação nuclear por todo o mundo, como mostram claramente os questionamentos da Agência Internacional de Energia Atômica com relação aos desenvolvimentos do Irã nessa área.

Com as devidas medidas de segurança e a adequada alocação de riscos e custos, a energia nuclear pode ser mais uma das opções na busca de soluções para os problemas energéticos mundiais, e não pode ser nem santificada e nem satanizada. No entanto, seu papel tem de ser avaliado de maneira responsável, prestando-se bastante atenção na atuação dos "novos convertidos", como Moore e Lovelock.

José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.