Título: PMDB: perto do poder e sem projeto
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2006, Política, p. A5

A decisão de não ter candidato à Presidência da República aumenta as chances de o PMDB fortalecer-se bastante nas eleições de outubro. Trata-se de um aparente paradoxo, pois os pemedebistas estão abandonando a pretensão de ter um caminho próprio para o plano nacional. Porém, devido às regras da verticalização, torna-se mais factível e muito mais importante conquistar um maior número de governadorias e cadeiras parlamentares, postos para os quais concorre com enormes possibilidades de vitória. O partido deverá ser o fiel da balança no mandato do próximo presidente, provavelmente alcançando uma posição só comparável ao seu auge na Nova República. Estará no centro do poder, sem, contudo, ter propostas claras e consensuais a defender.

É a ausência de projeto nacional, portanto, que deveria preocupar os integrantes da cúpula do PMDB. A possibilidade de uma candidatura própria é uma discussão pouco ou quase nada útil para o futuro do partido. Primeiro porque não tem pretendentes com efetivas chances de vitória. O melhor colocado deles, Anthony Garotinho, seria atropelado na reta final do primeiro turno, conquistando o terceiro lugar pela segunda vez consecutiva - posição que deverá se repetir outras vezes enquanto ele não mudar o discurso e ampliar as alianças sociais em torno de si. Na melhor das hipóteses, o ex-governador carioca perde até para um "poste" no segundo turno, em razão de sua altíssima taxa de rejeição, algo que tenderia a aumentar ao longo da campanha.

O outro nome à disposição é o do ex-presidente Itamar Franco. Nenhum dos líderes pemedebistas acredita que ele seja mesmo candidato, nem aquele que inicialmente o lançou, o ex-governador paulista Orestes Quércia. Ademais, Itamar é uma figura imprevisível, que nunca participou de uma campanha presidencial como cabeça de chapa. Atitudes impensadas e brigas políticas causadas no meio dessa disputa poderiam atrapalhar os planos futuros do PMDB em torno da partilha do poder federal.

A manutenção da verticalização é, no entanto, o maior incentivo para o partido não lançar candidato presidencial. Poderá assim fazer as alianças que desejar, algo essencial dado que o PMDB tem parceiros e adversários partidários muito diferentes nas diversas unidades estaduais. Ter coligações múltiplas aumenta suas chances de conquistar de dez a quinze governadorias, bem como mais de cem vagas para deputado federal. Petistas ou tucanos terão ao seu favor a vitória nas eleições nacionais, só que dependerão dos pemedebistas para ter maioria no Congresso Nacional e apoio dos governos estaduais, sendo que estes últimos poderão ser importantes na Reforma Tributária e numa nova fase da Previdenciária.

Discutir candidatura é o menos importante Chegar ao centro do poder federal não será a tarefa mais difícil para os pemedebistas. Isto tende a ser mais verdadeiro se o vencedor for Lula. Após o fracasso da aliança com os pequenos partidos "mensaleiros" no primeiro mandato e diante da perspectiva de redução do tamanho do PT no Congresso Nacional, só restaria montar uma coalizão com o PMDB para o segundo mandato, na qual haja efetiva parceria e co-participação no processo decisório. Sem isso, a instabilidade de um novo governo petista seria enorme.

Além disso, um cenário de coalizão forte com o PMDB teria como pano de fundo a impossibilidade de o presidente Lula concorrer a mais um mandato. Como os principais nomes petistas para 2010 viraram carta fora do baralho, é possível que o candidato de Luiz Inácio da Silva procure seu candidato à sucessão entre os pemedebistas. Isto daria um projeto de mais longo prazo ao partido, que poderia controlar novamente à Presidência da República depois de mais de vinte anos.

Com uma eventual vitória de Geraldo Alckmin, o PMDB não ganharia tanto poder, uma vez que teria de dividir a coalizão também com o PFL. Mas a perspectiva de crescimento eleitoral dos pemedebistas é bem maior do que a dos pefelistas, os quais, ao optarem pela aliança nacional, tenderão a perder e não a conquistar mais cadeiras no Congresso Nacional, afora terem poucas perspectivas de vencer nos estados. Sendo assim, o PMDB será o aliado preferencial dos tucanos na busca por maioria parlamentar. Ademais, candidatos a presidente para 2010 não faltam no PSDB e, por esta razão, os pemedebistas poderiam ser favorecidos por um possível racha no partido majoritário, fazendo assim uma dobradinha com um dissidente. Não por acaso, o nome de Aécio Neves tem aparecido como o candidato dos sonhos pemedebistas para ocupar o Palácio do Planalto.

O cenário de céu de brigadeiro em termos de poder contém, todavia, uma armadilha, a mesma que tem perseguido o PMDB desde o Governo Sarney. Hoje o partido é o mais identificado pela opinião pública com o fisiologismo e o clientelismo, bem mais do que o PFL, e mais claramente também do que o PT, a despeito da ânsia por cargos e verbas que os petistas demonstraram nos últimos quatro anos. Ser pemedebista tornou-se sinônimo de querer um naco de poder para votar com o presidente de ocasião. Neste sentido, o chamado grupo governista de agora não é diferente do que dominava a agremiação no período FHC.

A pergunta, então, é a seguinte: conquistar o poder para quê? Ainda mais, com a perspectiva de em 2010 ter finalmente um candidato próprio à Presidência, após três eleições como ator secundário no plano nacional. Em vez de discutir nomes, o PMDB deveria, por exemplo, ter definido no que é diferente ou igual às idéias do PT ou às do PSDB. Tão criticado pelos seus diversos erros, Garotinho pelo menos defendeu o projeto preparado pelo economista Carlos Lessa, feito sob encomenda ao partido. Ninguém sabe o que pensa o restante da agremiação sobre tais idéias, e tampouco tais líderes parecem dispostos a discutir planos de governo.

O que os eleitores brasileiros precisam é de partidos que busquem chegar ao poder para implementar um projeto claro de governo. Neste ponto, o PMDB deve muitas explicações à sociedade antes de assumir o posto de núcleo da coalizão do próximo presidente.