Título: Investimento estrangeiro na Venezuela despenca este ano
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2006, Internacional, p. A11

A política de confronto com o capital externo do presidente Hugo Chávez parece estar afugentando o investidor da Venezuela. O investimento direto estrangeiro (IDE) no país, excluindo o setor petrolífero, foi no primeiro trimestre deste ano o mais baixo desde 1999, quando começa a atual série estatística. O valor total para os três meses ficou pouco abaixo de US$ 25 milhões, menos de um dia, em média, de investimentos no Brasil.

Isso significa uma queda de 86% em relação aos US$ 181,8 milhões de IDE do primeiro trimestre do ano passado. O resultado é pior até que o do primeiro trimestre de 2003, ano mais tenso do governo Chávez, quando houve a fracassada tentativa de golpe em abril.

O IDE é o investimento externo feito, por empresas ou indivíduos, em setores produtivos da economia. Inclui, por exemplo, a construção de uma fábrica ou a compra de uma empresa já existente. Normalmente as economias mais dinâmicas atraem mais IDE. Na América Latina, o México ficou em primeiro lugar em 2005, com Brasil em segundo e Chile em terceiro. O investimento externo pode trazer tecnologia importante e costuma gerar outros negócios paralelos.

A Venezuela não tem uma estatística unificada de IDE. Os dados citados acima são divulgados pela Siex (Superintendência de Investimentos Estrangeiros), órgão do governo, e dizem respeito aos investimentos em toda a economia, com exceção dos setores petrolíferos, bancário e de seguros.

Os dados desses setores são compilados por órgãos específicos e divulgados sem regularidade. A informação mais recente sobre o IDE no setor de petróleo (que inclui petroquímica) é de 2003. Esse setor é vital no país e responde por mais de 90% das exportações da Venezuela O investimento em bancos e seguros não é relevante.

O dado oficial anual do IDE é divulgado pelo Banco Central, baseado nas contas externas, mas não é discriminado e há dúvidas sobre a sua confiabilidade.

O economista venezuelano Rafael Grooscors, que estuda a evolução do IDE no país, faz uma ressalva quanto aos dados da Siex. "Eles se baseiam na declaração feita pelo investidor estrangeiro, e não há pena para o atraso nessa declaração, o que costuma ocorrer."

Ainda assim, a queda é dramática. No ano passado, o setor não petrolífero venezuelano atraiu US$ 915 milhões em IDE. A meta para este ano, segundo Mercedes Briceño, diretora do Conselho Nacional de Promoção de Investimentos (Conapri), é US$ 1,5 bilhão. Será difícil chegar lá com os meros US$ 24 milhões do primeiro trimestre.

O Conapri, orgão do governo, atribui essa redução no IDE ao fato de este ser um ano eleitoral. Em dezembro haverá eleição presidencial. Mas não houve queda similar em 2004, quando o presidente Chávez enfrentou um plebiscito que poderia retirá-lo do cargo. Além disso, as pesquisas dão vitória de Chávez por ampla margem em dezembro, de modo que não há as incertezas normalmente relacionadas à indefinição eleitoral.

Desde o plebiscito de agosto de 2004, que o confirmou no cargo, o governo Chávez endureceu com os investidores estrangeiros. Expropriou produtores agrícolas, autuou e fechou temporariamente empresas como a General Motors e a Microsoft , por supostas irregularidades tributárias; e obrigou as empresas de petróleo a migrarem para um novo contrato de exploração, pelo qual elas se tornaram sócias minoritárias da PDVSA, a estatal venezuelana.

Este mês, Chávez anunciou mais impostos ao setor de petróleo e apoiou a nacionalização do gás e do petróleo na Bolívia.

"Novas exigências trabalhistas, tributárias e o aumento dos trâmites burocráticos [com o controle cambial, por exemplo] dificultam os investimentos", disse Grooscors. Segundo ele, haverá uma concentração de IDE no setor de petróleo, o que tornará o país ainda mais dependente da commodity.

"No petróleo, a necessidade de associação minoritária [com a PDVSA] é um problema, mas o potencial do país ainda é muito bom. Porém, os resultados bons [das empresas estrangeiras] nos últimos anos não vão se repetir."

Um analista venezuelano ouvido pelo Valor, e que pediu para não ser identificado, acredita que mesmo o IDE no setor de petróleo cresceu pouco ou até caiu nos últimos meses, apesar de o preço do petróleo venezuelano subido mais de 150% nos últimos três anos. "Os dados de 2003, os últimos divulgados, não foram muito bons. Comenta-se que nos últimos meses os investimentos caíram, devido à incerteza com o novo contrato. Por isso, o governo não estaria divulgando as estatísticas."

Segundo estudo do instituto suíço IMD, divulgado na semana passada, a Venezuela é a economia menos competitiva entre as maiores da América Latina.

Os setores onde ainda há algum investimento são turismo (especialmente alternativo) e comércio. "A economia interna está crescendo, com o dinheiro do petróleo, e há interesse por distribuição de alimentos, por exemplo". Segundo ele, o governo conta ainda com investimentos do Irã, da China e da Índia este ano.

Grooscors cita a degradação da infra-estrutura como fator inibidor de IDE. Recentemente, desabou um viaduto da principal estrada que deixa Caracas, e que liga a capital venezuelana ao aeroporto. A obra tinha 40 anos e era subdimensionado para o tráfego atual. O desvio improvisado criou um enorme gargalo no trânsito.

"Um investidor precisa pensar muito bem antes de vir para a Venezuela", afirmou Grooscors.