Título: Brasil é saída para crise na Espanha
Autor: Magalhães,Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2011, Empresas, p. B9

Em meados de 2007, o economista e professor de Comércio Internacional Jesús Caneda Aguiar trocou a vida acadêmica pelo desafio de descobrir oportunidades no Brasil para as empresas de sua região. Deixou a cidade costeira de Vilagarcia, na Galícia, no norte da Espanha, e mudou-se para São Paulo. Criou a Associação de Empresários Galegos de São Paulo e a Citiusmarket, assessoria privada para investidores interessados no Brasil. Um ano depois, sua iniciativa ganhou impulso com a crise que começava após a quebra do Lehman Brother. E assim como a crise, seu trabalho só fez aumentar desde então. Nesses anos, Aguiar recebeu inúmeros empresários espanhóis interessados no país, de setores como alimentos, logística, construção civil e comunicação.

A experiência de Aguiar ilustra a importância que o Brasil assumiu para a Espanha. Os investimentos realizados por empresas espanholas no país, nos oito primeiros meses, somaram US$ 5,6 bilhões. Isso é 270% superior a todo 2010. O aumento é mais significativo se analisados os números do período de janeiro a agosto de cada ano: em 2011, o país captou dos espanhóis 800% a mais do que no mesmo período de 2010. Na Câmara Espanhola de Comércio, as solicitações por reuniões e esclarecimentos passaram de 40 pedidos em 2009 para dois mil, em 2010

O Brasil leva clara vantagem em relação a outros emergentes, na visão da diretora executiva da Câmara, Núria Pont. Para ela, a democracia beneficia o país nos negócios. "Além disso, ambos os países têm culturas latinas, ocidentais e, por isso, bastante próximas. Nossos idiomas são parecidos. Esses fatores facilitam os negócios."

Gostem ou não dos espanhóis, até os concorrentes admitem que a agressividade é sua principal marca

O caso recente mais emblemático foi a decisão da Isolux Corsán de fixar no Brasil uma nova empresa. Companhia de capital fechado, os dois fundadores do grupo estiveram pessoalmente com a presidente Dilma Rousseff, em junho, para contar que a recém-criada Isolux Infrastructure teria sede em São Paulo e nascia com concessões de estradas e energia na Espanha, Índia e México, além do Brasil. No encontro, entregaram à presidente uma pasta com apenas duas páginas. Em uma delas, gráficos revelavam a importância que o país assume no futuro do grupo. O primeiro informava que o Brasil recebeu 32% dos investimentos do grupo até meados deste ano, contra 39% que ficaram na Espanha. No segundo, sobre os investimentos projetados até 2014, o Brasil fica com 50%. Já a Espanha desaparece ao ser incluída na parcela "Outros", que no total receberá apenas 8%.

"A Isolux inaugura um novo padrão de investimento. Pela primeira vez uma companhia estrangeira separa uma área de atuação, a transforma numa empresa e abre sua sede no Brasil. O que tivemos até hoje foi, em um primeiro momento, a criação de subsidiárias. E, depois, a ampliação do poder dessas subsidiárias como sede da região. Mas nunca a instalação de uma empresa diretamente no país com ativos em outros", afirma João Nogueira Batista, presidente do conselho da Isolux Infrastructure.

A Espanha está perto de ultrapassar os EUA entre os países que mais investem no Brasil, impulsionada pelo que é chamado de "terceira onda" de investimentos no país. A primeira veio em meados dos anos 90, durante o processo de privatização do governo FHC. A segunda ocorreu nos anos 2000, com a chegada de companhias de serviços e infraestrutura. A terceira é alimentada pela crise mundial.

Gostem ou não dos espanhóis, até os concorrentes admitem que a agressividade é sua principal marca. Em 2007, a OHL surpreendeu ao vencer a concessão de cinco importantes rodovias federais. Em um lance no exterior, a Iberdrola levou este ano a distribuidora de energia paulista Elektro. Mas nenhum teve mais repercussão que a compra do Banespa pelo Santander em 2000. Em comum, os perdedores sempre alegam que os espanhóis pagaram mais do que deviam e terão problemas no futuro. Mas com algumas exceções, como o Banco Bilbao Vizcaya que teve uma experiência frustrada na compra do Econômico, os espanhóis não têm do que se queixar.

Batista pondera que se a crise torna relevante o Brasil agora, não se pode esquecer que a maioria dos grupos já estava aqui antes de 2008. Ele lembra que em 2002, na eminência da vitória de Luís Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, o dólar chegou perto dos R$ 4 e o risco Brasil rondou os 2 mil pontos. "Vimos estrangeiras vendendo ativos com medo. Quem aguentou o tranco e foi audacioso, se beneficia de ter apostado no país."

Apesar das histórias de sucesso, Aguiar alerta que não é tão fácil para as novatas se instalarem no Brasil. De forma geral, os espanhóis desconhecem o mercado brasileiro. "Conhecem mais do Brasil de memória. Do que já ouviram falar." E ainda, acrescenta o consultor, apresentam uma certa arrogância. "É preciso mudar essa postura, ou é melhor nem vir."