Título: Restrição ao Brasil faz indústria argentina ganhar espaço no país
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2006, Brasil, p. A3
Os acordos de restrições para exportações brasileiras de produtos como calçados, fogões, lava-roupas e refrigeradores e para a Argentina cumpriram seus resultados de estimular investimentos e aumentar a fatia da produção local no mercado vizinho, segundo estatísticas discutidas pelas autoridades dos dois países nesta semana. As estatísticas confirmam, ainda, que parte do mercado perdido pelos brasileiros está sendo ocupado por exportadores de outros países. Mesmo assim, o governo argentino decidiu apoiar a reivindicação das indústrias locais para renovar os limites aos exportadores brasileiros.
Os planos das indústrias argentinas, de aumentar a capacidade de produção e ocupar o mercado, agora sustentam o argumento dos negociadores chefiados pelo secretário de Indústria argentino, Miguel Peirano, de que é necessário continuar limitando as vendas brasileiras para garantir "previsibilidade" à indústria local. De 2003 a 2006, a participação brasileira nas importações de refrigeradores da Argentina no período janeiro-maio caiu de 95% para 86% e os concorrentes estrangeiros quase triplicaram a fatia de mercado de 5% para 14%. No caso dos fogões, no mesmo período, o Brasil, que detinha 100% do mercado de importados, agora cede uma pequena fatia da importação (7%) a fornecedores de outros países.
O caso mais dramático é o de calçados, produto em que o Brasil representava 87% das importações argentinas do produto em 2003 e hoje tem apenas 53%, o que significa que os exportadores de outros países passaram a dividir quase meio a meio o mercado argentino, segundo estudo discutido pelas autoridades argentinas e brasileiras na terça-feira, em Buenos Aires.
Enquanto isso, os produtores argentinos de refrigeradores afirmam ter investido US$ 9,6 milhões em dois anos para elevar a capacidade de produção local a 894,5 mil unidades, das quais esperam usar 52% em 2006 (eram 40% em 1005). Os fabricantes locais abasteciam 35% do mercado em 2003, e, no ano passado, já detinham 49% do mercado local. Os produtores de fogões elevaram sua participação de 73% para 77% do mercado entre 2003 e 2005, período em que a produção aumentou 40%.
O argumento de "previsibilidade" foi o que alimentou a reivindicação argentina de estabelecimento de um Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), que, aprovado neste ano, prevê a possibilidade de salvaguardas (barreiras) no comércio entre os dois países. A Argentina deixou, porém, de cogitar a aplicação do MAC. Os empresários argentinos alegam que o MAC é de difícil aplicação, por exigir a comprovação de dano provocado pelas importações, e medidas como programas de reconversão das indústrias beneficiadas.
Os argentinos vêm limitando vendas brasileiras também com mecanismos burocráticos como a "valoração aduaneira", pela qual são fixados preços mínimos de importação. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) se queixa de que, desde 2005, apontou para as autoridades argentinas que alguns preços exigidos para os produtos brasileiros são superiores aos cobrados de similares asiáticos.
Os industriais brasileiros foram instruídos pelas autoridades da alfândega do país vizinho a negociarem com o setor privado argentino, que só há poucos dias informou não querer discutir o assunto porque seria um tema de exclusiva competência da alfândega.
No caso de fios acrílicos, a situação é mais irritante para os empresários brasileiros: as autoridades argentinas querem novo acordo de limitação de vendas ao mercado local, mas aplicam só aos produtos brasileiros (e não aos asiáticos) regras que equivalem a preços mínimos de importação. Os asiáticos vendem fios por 25% a menos que os brasileiros, obrigados a aumentar seus preços em quase um terço devido às regras discriminatórias aplicadas contra suas exportações.
ABIT e a Eletros, entidade que representa os fabricantes de eletrodomésticos da linha branca, se recusam a voltar à mesa de negociações para falar de novos acordos de restrições de exportação, e tem o respaldo do governo brasileiro. Os acordos que limitaram as vendas e abriram mercados à produção argentina e à competição estrangeira venceram entre janeiro e junho deste ano.
Fabricantes do setor de calçados foram os únicos a acompanhar a missão brasileira, chefiada pelo secretário-executivo do ministério do desenvolvimento, Ivan Ramalho, na terça, a Buenos Aires. O mecanismo de licenças não automáticas imposto pelos argentinos prejudica as vendas àquele mercado.
Os argentinos prometeram usar as licenças para restringir ainda mais os asiáticos, mas querem novo acordo de restrição, ainda que com cotas maiores para os brasileiros. Não houve decisão nesta semana, e o tema voltará a ser discutido na próxima reunião de monitoramento do comércio bilateral, em um mês.
Negociadores brasileiros e empresários têm a impressão de que, desta vez, há maior boa vontade da parte argentina, e a razão é o crescimento do país vizinho, que aumenta o mercado consumidor, acomodando pressões. Apesar da queda nas exportações, as vendas de refrigeradores do Brasil no mercado argentino, por exemplo, cresceram 13% entre 2003 e 2005 (as vendas de concorrentes estrangeiros aumentaram 272%).
No primeiro semestre, as vendas totais brasileiras à Argentina aumentaram 17%, bem mais que a média das exportações do Brasil ao resto do mundo (13%), e chegaram a US$ 5,3 bilhões, sem que se levantassem queixas e reivindicações dos empresários vizinhos - o que, para a diplomacia brasileira, é sinal de que os setores problemáticos são apenas esses hoje sujeitos a restrições.