Título: Resistências internas impedem EUA de melhorar propostas
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2006, Brasil, p. A3

Na semana passada o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, telefonou de Tóquio para a fazenda do senador americano Chuck Grassley para falar do impasse nas negociações da rodada Doha de liberalização comercial. Lamy fez um relato das discussões que ministros dos 149 países-membros da OMC haviam tido pouco antes em Genebra e pediu a opinião do americano sobre a situação. Grassley está pessimista, como explicou dias depois numa entrevista. "Não estamos conseguindo acesso aos mercados como deveríamos e não vamos abrir mão do nosso apoio agrícola até conseguir", disse. "Não podemos esperar que nosso governo deixe nossos fazendeiros vendidos sem que haja algum movimento dos outros países." Sobre as cobranças que os Estados Unidos têm recebido, ele falou grosso: "Estou cheio disso."

Membro do Partido Republicano e representante do Estado de Iowa, que lidera a produção de soja, milho e carne suína no país, Grassley é um político influente no Congresso e um símbolo das resistências que têm impedido os Estados Unidos de apresentar as propostas ambiciosas que países como o Brasil consideram necessárias para tirar a Rodada Doha do atoleiro.

Políticos como Grassley ataram as mãos dos negociadores americanos na OMC, num momento especialmente delicado em que o presidente George W. Bush luta para recuperar a popularidade em casa e os republicanos estão em campanha para as eleições de novembro, em que correm o risco de perder a hegemonia que têm no Congresso.

"Há muita preocupação aqui em termos políticos, com o que nós já oferecemos e o quão pouco conseguimos em troca", disse ao Valor um dos principais negociadores do governo americano para a área agrícola, Jason Hafemeister. "Isso vem tanto do Congresso como do setor privado e para nós é muito difícil se mover nessas circunstâncias."

Em junho, pouco antes da última reunião de nível ministerial que debateu o assunto em Genebra, 12 associações de produtores rurais mandaram uma carta ao presidente Bush para "deixar claro que a agricultura americana não vai apoiar cortes mais profundos" nos subsídios que seus associados recebem.

Dias depois, um grupo de 57 senadores endereçou a Bush outra carta, manifestando preocupação com o rumo das negociações e considerando "inaceitável" qualquer acordo que reduza subsídios agrícolas sem abrir novos mercados como compensação. Assinaram o documento republicanos e democratas, membros dos dois partidos que dominam a política americana.

Desde o último fiasco em Genebra, os Estados Unidos têm se esforçado para transmitir uma mensagem simples, em que realçam os aspectos positivos da proposta que apresentaram para reduzir os subsídios que distorcem o comércio agrícola e apontam a timidez das alternativas sugeridas pela União Européia e por países em desenvolvimento como o Brasil e a Índia.

Os críticos observam que a proposta americana é menos ousada do que parece. Estimativas indicam que ela permitiria aos Estados Unidos gastar cerca de US$ 20 bilhões por ano para tornar seus agricultores mais competitivos. É bem menos do que o permitido pelas regras atuais, mas o valor supera o gasto dos EUA com subsídios nos últimos anos, segundo os cálculos de André Nassar, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

Na média dos últimos dez anos, os americanos gastaram US$ 15 bilhões por ano com subsídios agrícolas, estima Nassar. Em essência, o que a proposta dos Estados Unidos faz é rearranjar os programas que regulam os subsídios americanos entre as várias categorias criadas pelas regras da OMC, reduzindo subsídios que prejudicam muito os concorrentes dos EUA mas ampliando os limites para despesas com outros programas.

Mesmo assim, muitos reconhecem que a proposta permitiria cortes significativos em alguns programas importantes. "As pessoas que conhecem os programas, que escrevem as leis no Congresso, ou que recebem os cheques, elas estão muito preocupadas", disse Hafemeister, o negociador americano. "Elas reconhecem esta proposta como uma grande mudança."

Existe espaço para avançar. Dentro do limite de US$ 20 bilhões, os EUA querem autorização para gastar US$ 5 bilhões com programas que a OMC classifica como "de minimis", um tipo de subsídio de alcance limitado a uma parcela muito pequena da produção agrícola de cada país. Atualmente o governo americano gasta menos da metade desse valor com programas enquadrados nessa categoria.

"Há muito espaço aqui para melhorar a proposta e me surpreende que o governo simplesmente não tenha se livrado dessa categoria, que mal usa hoje em dia e dificilmente poderia usar no futuro", disse ao Valor a economista Kimberly Elliott, do Centro para o Desenvolvimento Global, uma instituição de pesquisa baseada em Washington.

Parte da explicação pode estar na flexibilidade que o governo americano gostaria de ter para convencer o Congresso a aprovar o que for combinado em Genebra, se a Rodada Doha chegar a algum lugar. Programas que beneficiam produtos como leite e açúcar estão com os dias contados devido a outros acordos comerciais. É provável que o governo tente usar o dinheiro desses programas para aliviar os cortes que precisaria fazer nos subsídios que beneficiam outras culturas, como a soja e o milho.