Título: União estuda subsidiar tarifa de ônibus
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2006, Brasil, p. A4

O governo federal pretende criar um subsídio para baratear as tarifas de ônibus municipais nas cidades com mais de 60 mil habitantes. A intenção é que, junto com ações de desoneração tributária dos Estados e dos municípios, as passagens possam cair em 10%, inclusive nas grandes metrópoles. Para chegar a essa queda, a União deverá colaborar com o equivalente a 5% das tarifas. Os Estados entrariam com 3% do total e as prefeituras, com 2%. O ministro das Cidades, Márcio Fortes, disse ao Valor que os estudos técnicos do governo estão na reta final e poderá ser criada uma subvenção direta às passagens, com recursos da União entre R$ 300 milhões e R$ 600 milhões. A proposta agora está sendo analisada no Ministério da Fazenda. Segundo ele, o plano só será implementado quando as três esferas da administração pública acertarem a contribuição que cada uma delas fará. União e municípios estão mais adiantados, mas falta avançar nas discussões com os governos estaduais.

Fortes rechaça o rótulo de caráter político da subvenção, até porque é pouco provável que ela saia do papel antes das eleições, e diz que se trata de uma boa oportunidade para aumentar a eficiência do setor, com as contrapartidas a serem exigidas. Os técnicos do ministério também reconhecem a preocupação com o impacto das tarifas na inflação.

Além de impacto no bolso dos passageiros, uma eventual redução das tarifas de ônibus teria reflexos importantes nos índices de preços. Segundo a economista Marcela Prada, da Tendências Consultoria Integrada, uma queda de 10% nos preços das passagens faria o IPCA, taxa que serve de referência para as metas de inflação, cair 0,50 ponto percentual. A partir de julho, quando a nova Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) será implementada pela primeira vez no cálculo do IPCA, o impacto seria de 0,37 ponto percentual. No caso do INPC, que mede a inflação para as famílias com renda de até oito salários mínimos, o reflexo negativo aumenta para 0,65 ponto.

Paralelamente, o ministério deverá enviar ao Congresso, nas próximas semanas, um projeto de lei que cria a Política de Mobilidade Urbana. Será uma espécie de marco regulatório, hoje inexistente, para o setor. A idéia é permitir uma relação melhor entre poder concedente (municípios) e concessionárias (empresas de ônibus), com diretrizes definidas por uma nova lei federal.

Deverão ser estabelecidas metas de qualidade e desempenho para as transportadoras, metas de atendimento e universalização da oferta de transporte coletivo pelos gestores públicos, além de critérios mais claros de reajustes. Entre as inovações está a definição de índices de preços para fazer correções anuais dos contratos, além de eventuais revisões tarifárias, como existe no setor de energia elétrica, com "transferência de parcela dos ganhos de eficiência e produtividade das empresas aos usuários".

A iniciativa de discutir a queda nas tarifas de ônibus partiu da Frente Nacional de Prefeitos, que apresentou formalmente a proposta no ano passado. Inicialmente, a medida estudada pelo governo federal era diminuir a cobrança de tributos - PIS, Cofins e Cide - incidentes sobre o óleo diesel destinado ao transporte coletivo urbano. No entanto, os estudos identificaram dificuldades na viabilização dessa medida. "Mas como seria o controle disso? Não haveria fraude e desvio do diesel mais barato?", questiona, demonstrando ceticismo, o ministro Márcio Fortes.

Desde então prevaleceu a posição da Fazenda, segundo ele, de abandonar a idéia da desoneração fiscal e adotar uma subvenção direta às prefeituras, que ficariam encarregadas de gerir os recursos e repassá-los às transportadoras. Essa solução ainda encontra alguma resistência das empresas, que temem desvio das verbas para outras finalidades. Fortes acredita que é a melhor alternativa. "Tem menos custos operacionais e menos riscos de fraude", afirma.

Em princípio, a participação dos municípios pode ser com uma redução adicional do Imposto sobre Serviços (ISS) cobrado das empresas de ônibus. Os governos estaduais podem participar com isenção ou queda do ICMS sobre a venda de óleo diesel às transportadoras. Mas isso não tem respaldo do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o fórum dos secretários estaduais de finanças.

"O pleito da isenção é muito cômodo, mas qual o benefício para a sociedade?", contesta a coordenadora do Confaz, Lina Maria Vieira. Por enquanto, três Estados - Amazonas, Pernambuco e Santa Catarina - já concedem desoneração de ICMS para a venda de óleo diesel às companhias de ônibus. Mas, segundo ela, a maioria dos governos estaduais isenta as frotas da cobrança de IPVA e dá isenção de ICMS à operação de transporte do óleo diesel de uma região a outra, o que é já repassado às tarifas de ônibus.

Lina diz que o Confaz não está discutindo formalmente a questão. Ela acrescenta que no Rio Grande do Norte, de onde é secretária, a desoneração sobre a venda de óleo diesel não seria uma medida inteligente. "Deixaríamos de arrecadar R$ 1 milhão por mês, que são revertidos para inúmeras ações do governo, e a passagem cairia só quatro centavos", observa Lina. "O retorno é definitivamente insignificante."

O ministério avalia que todas as cidades com mais de 60 mil habitantes estão aptas a ter um sistema de transporte público próprio e, portanto, habilitadas a receber o subsídio. De acordo com o último censo do IBGE, 437 municípios se encaixam têm essa população, afirma o ministério.

Fortes deixa claro, porém, que a contribuição do governo federal só irá a cidades que se assumam contrapartidas. Os compromissos deverão envolver ações de combate à informalidade (perueiros clandestinos), incentivo ao uso do biodiesel e do gás natural veicular (GNV) nas frotas, e racionalização das redes de transporte. "Isso depende de planejamento, o que é uma ação local", ressalta o ministro.

Segundo ele, a idéia é discutir todos os elementos que possam levar à reduções tarifárias. Inclusive, sublinha, reavaliando as isenções de tarifas aos passageiros. "De cada quatro ônibus que rodam no país hoje, pelo menos um roda de graça", diz. Não se está falando em tirar a gratuidade dos idosos, por exemplo, mas ver se não há categorias profissionais que gozam indevidamente de isenções, diz Fortes.