Título: PCC ameaça com rebelião em presídios
Autor: Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2006, Política, p. A6
Além dos ataques do crime organizado, o Estado de São Paulo poderá enfrentar uma nova onda de rebeliões no sistema penitenciário no fim de semana. Os funcionários do sistema denunciam que estão sendo ameaçados e ameaçam entrar em greve hoje, em protesto contra a falta de segurança e de apoio do governo.
A situação exposta por eles é caótica. Os agentes de segurança estão sendo coagidos por bandidos e muitos mudaram números de telefone e de endereço com medo dos ataques. No Estado, são cerca de 22 mil agentes. O presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional, João Rinaldo Machado, relatou que foi procurado por criminosos em sua casa e que tem recebido ameaças.
"Como agente penitenciário, me sinto um alvo. É uma briga entre a facção e o Estado, mas quem paga é a população e os funcionários", reclamou. Machado assumiu o comando do sindicato há menos de uma semana, com a morte de Paulo Gilberto de Araújo, um dos agentes mortos pelo PCC. "Os ataques são para desestabilizar o sistema de segurança. Ao amendontrar os agentes, os presos querem dominar as cadeias " , disse.
O presidente do sindicato alertou sobre a possibilidade de rebeliões no fim de semana. "Temos a informação de que foi dado um 'salve' (ordem) por uma liderança do grupo criminoso para que quebrassem todas as penitenciárias e existe o risco de ter uma rebelião no fim de semana", avisou. Diante da situação, os agentes de segurança representados pelo sindicato dizem que entrarão em greve hoje ou amanhã. "Não é uma retaliação nossa aos presos. Só estamos lutando por nossas vidas", afirmou.
O problema pode se agravar ainda mais caso as unidades da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) obedeçam à ordens de "refletir" as ações do PCC. Ontem, a Febem do Itaim Paulista, na capital, foi metralhada e sete internos do Complexo do Tauapé, também na capital, iniciaram um tumulto. Com isso, os funcionários da fundação também estão amedrontados. "Nós não temos segurança, não temos armas, estamos no meio da periferia. Há duas semanas, antes mesmo dos ataques, estamos recebendo ameaças " , disse Antonio Gilberto da Silva, diretor do sindicato dos funcionários da fundação. "Os internos dizem que têm que representar o PCC nas unidades e assim que começarem as rebeliões eles também farão na Febem. O contato deles com o crime organizado é direto".
Como forma de chamar a atenção para as ameaças, os funcionários do sistema prisional organizaram uma missa pela manhã, que foi esvaziada pelo temor de ataques. À tarde, representantes dos funcionários e entidades de defesa dos direitos humanos fizeram uma manifestação na Assembléia Legislativa para protestar contra as condições de trabalho e de segurança e foram para o plenário com faixas que demonstravam luto pela morte de 14 pessoas.
"Quando um Estado deficiente abre brechas para que os problemas sejam resolvidos por outros, existe a possibilidade de intervenção de ONGs ou do crime organizado. No caso das penitenciárias, foi o crime. O PCC entra no vácuo deixado pelo Estado " , analisou o coordenador da Defensoria Pública do Estado, Geraldo Sanchez.
Além da morte dos 14 agentes de segurança, os números oficiais indicam que, desde o início das novas ações, na noite de terça-feira, houve outras seis mortes e seis feridos. A polícia prendeu sete pessoas.
Também foi mais um dia de silêncio do governador Cláudio Lembo (PFL). Durante o dia, ele permaneceu no Palácio dos Bandeirantes, sem falar com a imprensa ou emitir nota com comentários sobre a crise na segurança. No governo, a situação do secretário Saulo de Castro Abreu torna-se cada vez mais delicada. O desgaste provocado pela segunda onda de ataques do PCC em dois meses abalaram sua imagem. Elogiado pelo ex-governador Geraldo Alckmin, o secretário já é visto com restrições por Lembo, conforme apontam interlocutores do governador. Só permaneceria no cargo a pedido de Alckmin, que ontem passou cerca de uma hora no Palácio dos Bandeirantes. Hoje, o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, participará de reunião com o governador. Os dois devem conversar sobre o envio de tropas da Força de Segurança Nacional ao Estado. O governo estadual recusa-se a receber esse tipo de ajuda.
Os recursos estaduais para a Segurança, segundo dados do Sistema de Execução Orçamentária do Estado, apontam que mesmo diante da maior crise na segurança já vivida por São Paulo, parte dos recursos estão contingenciados. Dos R$ 207 milhões em investimentos previstos, foram contingenciados R$ 31 milhões (15%). As áreas que mais sofreram com os cortes foram a de inteligência (fundamental para o combate ao crime organizado) e técnico-científica. Dos R$ 10,1 milhões previstos, foram empenhados apenas R$4,5 milhões e liquidados R$ 602 mil.