Título: Transição suave
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 04/09/2010, Economia, p. 16

O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre recém-divulgado pelo IBGE é informação velha. Ela serve para que se consolide a constatação de que a economia voltou a girar a umritmo menos febril que o registrado no início do ano, o que ébompara a inflação, embora persistam alguns desequilíbrios.

Na comparação intertrimestres, o PIB avançou 1,2%, confirmando o diagnóstico de desaceleração da economia, o que, no confronto com o segundo de trimestre de 2009, ano de recessão, cria a ilusão de um crescimento portentoso, 8,8%. A realidade indica convergência para um cenáriomais emlinha com a capacidade da oferta nacional.

Na sequência da evolução do PIB trimestral em relação ao período imediatamente anterior, a taxa de expansão vinha forte, saindo de 2,2% no 3º trimestre de 2009 para 2,4% no seguinte e 2,7% no 1º trimestre de 2010. E agora, 1,2%. A queda do batimento da expansão da economia é notável:emtermos de taxa anualizada, o ritmo caiu de 11,2% para 4,9% entre o 1º e o 2º trimestres.

Nos laboratórios das consultorias econômicas e, especialmente, o do Banco Central, essa toada do crescimento em torno de 4,5% a 5%é a compatível com meta de inflação anual de 4,5% e deficitsemcontas correntes das transações com o exterior ao redor de 2,5% do PIB.

A inflação, segundo o economista FernandoMontero, é a síntese de muitos dos problemas conjunturais e estruturais do país que criam obstáculos ao crescimento sem limite. Se o gargalo é estrutural ou conjuntural, se interno ou externo, em definitivo aparecerá emalgum momento como inflação, diz Montero. A redução do compasso do PIB está dadae não parece que volte a desembestar tão cedo.

A consequência imediata já aparece na condução da Selic pelo BC, mantida no patamar de 10,75% ao ano na reunião de quarta-feira.Otempo que se abre é de observação, já que, embora na média o PIB em bloco esteja mais coerente com as metas de equilíbrio de longo prazo fixadas pelo governo, a trajetória de alguns de seus itens ainda não inspira confiança ao planejamento macroeconômico.

Ventura ou pasmaceira Salvo uma rebordosa da economia global, o crescimento não indica grandes riscos adiante.Mas sempre há os condicionantes.

Conforme venham a ser as prioridades do novo governo, a disposição a fazer alguns ajustes, o apoio para encaminhálos e a sua capacidade para driblar as pressões do funcionalismo, de setores empresariais e de partidos sobre o Tesouro, pode-se cogitar um cenário venturoso.

Nele, os juros reais tendemamenosde5% aoano, a inflação fica na meta de 4,5% e o PIB pode ter um viés de crescimento acima dataxadeequilíbrio,ochamado PIB potencial, estimada ao redor de 5%. Será isso ou pasmaceira. Outro ciclo de crescimento abaixo do potencial é menos provável. Só acontecerá se as urnas expelirem um presidente que se revele inepto para administrar as tendências emergentes da economia, seus conflitos e negociar com os partidos.

Qual salada é melhor Na suposição de que o novo governo mantenha as premissas que dão a dinâmica do crescimento atual, pautado pelo consumo, a questão crucial para a continuidade do ciclo expansionista sem estresse é a distribuição dos indutores do PIB.

A demanda interna é formada pelo consumo das famílias e do governo, mais o investimento para a ampliação da oferta, tanto faz se industrial ou de infraestrutura.

Na salada do PIB do 2º trimestre, o consumo de famílias cresceu 0,8%. Já são quatro trimestres seguidos em desaceleração.

No caso do consumo do governogasto público, comose diz grosso modo, o aumento de 2,1% foi o maior desde o início de 2009.

Motor do investimento O terceiro componente do PIB pela ótica da demanda é o volume de investimentos. A sua expansão, de 2,4%, superou o crescimento da economia pelo quarto trimestre seguido e chegou a 18,8% do PIBmenos que os 19,2% antes da crise e longe da meta de 21%em2014.

O último item da salada, resultado do saldo da balança comercial, outra vez roubou crescimento, reflexo, para a consultoria LCA, do elevado diferencial entre a expansão da demanda interna (que puxa importações) e do PIB global (que condiciona as exportações).

Em linhas gerais, isso é tudo o que se precisa saber sobre o PIB. Para a noção de equilíbrio, se os investimentos seguirem avançando acima do PIB, o consumo deveria crescer menos, e dentro dele, o de governo, embora, lato sensu, tudo implique demanda. Em democracias avançadas, as eleições indicam o caminho. Aqui, mal se discute.

A arte do progresso Duas prioridades estão sobre a mesa, embora, pelo que se ouve da propaganda dos candidatos, todos só tem bônus a servir, como corte de impostos e mais serviços públicos, e milhares de empregos, sem dizer de onde virão e como serão gerados.

Pior é a sugestão de que não há um plano de vôo a orientar o governo que se eleger.

Alguma coisa sempre há. A desgraça é que por duas décadas o plano se resumia a sanear as contas nacionais. Relativamente ao que era, deixou de ser problema.Mas bateu-se no teto do financiamento para a continuidade do crescimento que vá além da oferta atendida pela capacidade produtiva existente, complementada por importações atéumlimite passível de ser sustentado por funding externo. A virada se dá pelo investimento. A arte é promovê-lo sem criar distorções

PIB avança 1,2% no 2º trimestre, ritmo menos febril e mais seguro para o crescimento sustentado