Título: Israel ataca Beirute e mantém bloqueio aéreo e naval do Líbano
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Fonte: Valor Econômico, 14/07/2006, Internacional, p. A8

Há um mês, um porta-voz do partido islâmico do Líbano, o Hezbollah, ao ser questionado sobre quantos libaneses estavam nas prisões de Israel, não conseguiu estimar o número. Mas agora o grupo militante xiita que controla o sul do Líbano está extremamente bem familiarizado com o tema. "Cumprindo a sua promessa de libertar os prisioneiros e os detentos" em Israel, o Hezbollah em 12 de julho atacou uma patrulha do Exército israelense próximo à fronteira, matando três soldados e tomando dois reféns. Cinco outros soldados morreram quando um tanque atingiu uma mina, depois que o exército israelense cruzou a fronteira numa vã tentativa de resgate.

Em resposta, Israel bombardeou objetivos em todo o território do Líbano, incluindo o aeroporto de Beirute e a estação de rádio do Hezbollah na capital libanesa, e bloqueou os portos do Líbano. Fontes libanesas disseram que 51 civis libaneses foram mortos. Enquanto isso, o Hezbollah bombardeou a fronteira norte de Israel com foguetes. Num fato inédito, dois foguetes atingiram as cercanias de Haifa, terceira maior cidade israelense. Este é o maior confronto desde que Israel encerrou, há seis anos, a ocupação do sul do Líbano, que durou 18 anos.

O momento escolhido pelo Hezbollah não é acidental. Desde que militantes palestinos seqüestraram um soldado israelense perto de Gaza, no fim de junho, Israel vem escalando uma campanha militar em Gaza com o propósito de libertá-lo e de impedir que os palestinos continuem lançando foguetes contra Israel. A ofensiva ainda não atingiu nenhum desses objetivos, mas já matou pelo menos 65 palestinos, a maioria civis. O prédio Ministério das Relações Exteriores palestino foi destruído.

Isso aumenta a pressão sobre o recém-eleito governo palestino, liderado pelo grupo extremista Hamas, que está sendo asfixiado por um boicote econômico mundial. Israel deteve muitos dos líderes do Hamas há uma semana. O antiisraelense Hezbollah simpatiza profundamente com o Hamas; este, por sua vez, é fortemente ligado ao governo da Síria, onde reside seu líder, Khaled Meshal; e os dois grupos desfrutam do apoio do Irã.

Embora Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, tenha dito que o ataque desta semana a Israel não tenha relação com os eventos em Gaza, ele parece talhado para aliviar a pressão sobre o Hamas, ao mostrar a Israel que as suas ações em Gaza têm conseqüências que transcendem a esfera local, e para obrigar Israel a enfrentar uma escalada perigosa em duas frentes.

Para o Hezbollah, trata-se de uma grande aposta. Ele pode contar com o apoio de cinco ministros, um terço do governo do Líbano, graças ao apoio dos muçulmanos xiitas, o maior grupo religioso do Líbano, e a acordos políticos. Junto com o apoio da Síria e do Irã, isso lhe permite ignorar apelos para o seu desarmamento. Desde que Israel se retirou, porém, os libaneses se acostumaram a um tipo raro de paz e ao renascimento da economia. Enquanto os xiitas celebram a captura de soldados israelenses, a maioria dos demais libaneses está sombria. Agora o Hezbollah poderá enfrentar um desafio à sua hegemonia no sul do país. O governo do Líbano vai trilhar uma linha tênue entre satisfazer os xiitas e evitar um novo conflito com Israel.

O Hamas também está em apuros. Surgiram rachaduras na sua liderança, sobre o governo nos territórios palestinos e os prisioneiros em Israel. Da Síria, Meshal tenta afirmar sua supremacia adotando a linha mais dura na questão do refém de Gaza. Sua maior influência está na ala militar do Hamas.

O risco para Israel, porém, não é menor: o país pode ser arrastado para uma campanha debilitante e indefinida para libertar os seus soldados. A operação de Gaza tem sido anunciada como um golpe definitivo contra os militantes, depois de meses de ataques de foguetes. Embora essas armas rudimentares tenham matado só oito pessoas desde o começo da segunda Intifada, em 2000, a ira dos israelenses que vivem dentro do seu curto raio de ação representa um tormento para o governo. Israel disse que não trocará o refém em Gaza por prisioneiros, como exige o Hamas. O país não tem outra opção exceto assumir uma postura igualmente resoluta com o Hezbollah. O premiê Ehud Olmert definiu o ataque como "um ato de guerra" e dissertou sobre conseqüências "contidas", mas "muito dolorosas" para o Líbano e a Síria.

Este é um padrão que persegue Israel com freqüência crescente. Suas guerras anteriores foram episódios curtos e bem definidos ou para deter ameaças militares maciças à sua existência. Agora a mesma doutrina de dissuasão obriga o país a travar longas e debilitantes campanhas em função de alguns soldados. Israel já trocou centenas de prisioneiros por um único soldado no passado, mas teme que o fato encoraje novos seqüestros.

Provavelmente, as pessoas que planejam a operação de Israel em Gaza "entendem que o soldado não será libertado exceto por um acordo", ainda que uma soltura de prisioneiros seja postergada para evitar passar aos israelenses a imagem de uma troca direta. A razão de fato da investida sobre Gaza seria "reduzir o custo de uma troca de prisioneiros" e obrigar o Hamas a pedir um cessar-fogo em troca de alguma calma. O presidente do Egito, Hosni Mubarak, acusou "outros lados", em forte insinuação à Síria, de sabotar um acordo que o Egito estava mediando.

Em Gaza é improvável que o soldado capturado seja movido. Já os reféns no Líbano poderiam ser facilmente transferidos para a Síria ou mesmo o Irã. Israel não conseguiu chegar a um acordo sobre Roni Arad, um aviador capturado no Líbano em 1986. O objetivo de Israel será mostrar o seu poderio no Líbano, sem começar uma guerra, e exercer pressão suficiente para fazer o Hezbollah pensar duas vezes sobre manter os reféns, exportá-los ou fazer novas reféns.

Devido à estrutura de poder frágil e delicada no Líbano, esse tipo de pressão pode ter mais chance de sucesso lá do que em Gaza. Por enquanto, há poucos indícios de que o Hamas esteja perdendo apoio popular. Mas, mesmo que ele convença os militantes a renunciar ao prisioneiro, poderá não ter a autoridade necessária sobre todos os grupos para assegurar que um cessar-fogo seja mantido. Enquanto isso, os apelos para mediação internacional aumentam.