Título: Produtividade patina enquanto salário cresce
Autor: Pedroso,Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2011, Brasil, p. A5
Há no mínimo quatro trimestres a indústria nacional não registra ganhos de produtividade. Por outro lado, a folha de pagamento real do terceiro trimestre de 2011 subiu 4,3% em relação a igual período de 2010. Com a estagnação da atividade industrial, que cresceu só 0,2% entre o segundo trimestre de 2010 e o terceiro deste ano, o risco de demissões aparece como alternativa para equilibrar contas, caso o cenário não mude.
Especialistas acreditam que o terceiro trimestre foi parte de um período de ajuste em virtude do crescimento abaixo do esperado. A expectativa, porém, é que a indústria ganhe fôlego nos próximos meses e se recupere, evitando o desemprego. Parte dessa premissa está ancorada nos sinais de que o governo já se esforça para não deixar o crescimento arrefecer em 2012.
A Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário, divulgada pelo IBGE na sexta-feira, apontou encolhimento de 0,1 % no volume de horas trabalhadas no setor no terceiro trimestre em relação ao segundo, já descontados os efeitos sazonais. Na mesma comparação, a produção encolheu 0,8%, resultando em mais um trimestre sem recuperação da produtividade, que caiu 0,6%.
O descolamento das curvas de produtividade (produção dividida por horas pagas) e remuneração real na indústria tem como consequência o aumento do custo unitário do trabalho e reflete movimentos diferentes, segundo Edgard Pereira, sócio da Edgard Pereira & Associados. O reajuste dos salários foi negociado com base no crescimento de 2010, enquanto a produção está inserida no cenário econômico atual, de arrefecimento do crescimento e diminuição da demanda interna. "Não dá para dizer que esse quadro vai levar a demissões. O que vai acontecer é que certamente os reajustes no ano que vem serão muito mais comedidos", diz.
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Para David Kupfer, coordenador do grupo de indústria e competitividade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os últimos dois trimestres foram de ajuste para a indústria a um cenário em que as importações ganharam peso e as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) foram gradativamente sendo rebaixadas.
No quarto trimestre, abre-se a possibilidade de que, com a adequação ao novo momento, a indústria volte a crescer, mesmo que não nos moldes de 2010. Nessa hipótese, diz Kupfer, o comportamento do terceiro trimestre tem como efeito a readequação a um nível menor de expansão, e a indústria voltaria a apresentar evolução positiva. "Não é que o quarto trimestre será de espetáculo do crescimento, mas vai interromper essa série negativa", disse.
E o governo pode ter papel importante para que a indústria deixe o nível atual de estagnação. A diminuição da taxa básica de juros (Selic), aliada a outras medidas de reaquecimento da economia em 2012, vai dar melhores condições para a indústria ter mais competitividade, segundo Pereira. "Acontece é que há defasagens. As medidas que o Banco Central está tomando neste fim de ano vão ser sentidas daqui a alguns meses." Além de reduzir a taxa básica de juros nas duas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), sexta-feira o BC adotou medidas que afrouxaram regras de controle do crédito adotadas entre o fim de 2010 e o começo de 2011.
O movimento para mudança no cenário acontece em três frentes: produção, salário e política monetária. Primeiro, a produção é motivada, com condições melhores no mercado interno. Depois, em um segundo momento, os salários aumentam em função do crescimento da produtividade. Em paralelo a isso, o governo precisa tomar medidas para fomentar o crescimento. "Estão fazendo uma boa leitura do momento. Quando [o governo] precisou, desaqueceu a economia no início do ano. Agora, vão estimulá-la novamente."
A previsão de recuperação em 2012, por outro lado, não deve trazer criação mais expressiva de empregos, segundo o gerente da pesquisa do IBGE, André Macedo. "A produtividade é um indicador antecedente para o número de contratações", diz. A indústria ajusta a mão de obra em função do número de horas pagas antes de demitir ou contratar. A produção é mais elástica nesse sentido, sendo mais vantajoso aumentar estoques e produzir menos em época de demanda em contração do que despedir e depois contratar novamente mão de obra qualificada quando a maré estiver a favor.
No entanto, há quem tenha opinião contrária em relação ao futuro da indústria, com base nos índices atuais. Fabio Ramos, da Quest Investimentos, prevê que a estagnação da produção, aliada à perda de mercado da indústria nacional para os importados, levou a um aumento dos estoques. Se a mercadoria produzida no país não ganhar competitividade, a situação chegará na ponta da cadeia produtiva: o emprego. "A tendência é de ligeira queda do nível de ocupação até o fim do ano. Esse movimento pode estar apenas começando caso a produção não aumente e os estoques diminuam", fiz, para depois concluir que "primeiro o empresário corta a hora extra, o que já está ocorrendo. Depois, turno de trabalho, seguido de férias coletivas. O passo seguinte é demissão."
A penetração de produtos industrializados no país pode levar a produção nacional da estagnação à contração, diz Macedo. Caso o consumo impulsionado pelo aumento na renda dos trabalhadores seja absorvido por produtos feitos fora do país, a indústria perde parte do mercado, provocando demissões, que por sua vez, diminuem a renda geral. "O ciclo favorável de crescimento pode ser quebrado pelos importados. Mas tudo vai depender da expectativa para o futuro, pois é com isso que os empresários planejam como e o que vão produzir", diz.