Título: Pequenos negócios fervilham em Cuba
Autor: Haven ,Paul
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2011, Internacional, p. A8

Nas ruas sonolentas ocupadas por frágeis carroças de tração animal e carros enferrujados da década de 1950, os sons do comércio estão mais uma vez sendo ouvidos na zona rural de Cuba.

Uma lanchonete privada foi aberta em uma cidade anteriormente atendida apenas por uma cafeteria estatal horrível. Uma mulher vende bugigangas que tira de um pote colorido. Um agricultor castigado pelo trabalho, vestindo jeans empoeirados, recuperou uma antiga máquina de sorvete e está vendendo casquinhas por 8 centavos de dólar.

Fora da vista dos turistas que gastam dólares em Cuba, em áreas onde o dinheiro de parentes que vivem em outros países pinga apenas esporadicamente, cidades empoeiradas estão sendo lentamente revitalizadas por uma série de iniciativas empresariais introduzidas pelo presidente Raúl Castro.

Em visitas a mais de uma dezena de cidades das províncias centrais de Cienfuegos e Sancti Spiritus é possível constatar que empreendimentos privados estão pipocando - lugares duramente atingidos pelo declínio da indústria açucareira de Cuba e pelos problemas econômicos que o país enfrenta após mais de meio século de governo socialista.

Até mesmo em vilarejos de uma rua só os pequenos negócios fervilham, enquanto muitos moradores, e a maioria dos cães e outros animais, se movimentam de maneira preguiçosa sob o sol escaldante do meio-dia.

Na própria Cienfuegos, cidade com cerca de 170 mil habitantes junto da península de Majagua, no sul do país, as reformas econômicas criaram um boom de restaurantes privados, ou "paladares", segundo diz Santiago Gonzáles, um engenheiro que abriu no centro da cidade uma lanchonete temática (voltada para o rock"n"roll) chamada "El Lobo".

O estabelecimento tem nas paredes pôsteres de grupos de rock da década de 1970 (outrora banidos) e uma pintura do guitarrista do Kiss Paul Stanley, com quem Gonzáles tem uma semelhança assustadora. Apesar do interior meio pobre, ele diz que o lugar está sempre cheio, com uma mistura de turistas e cubanos, e que consegue até 3.000 pesos (US$ 140) por mês após os impostos, cerca de sete vezes mais o que ganhava como engenheiro.

Gonzáles diz que o número de "paladares" na cidade passou de dois antes das reformas para os atuais 40 a 50. "Do ano passado para cá dá para ver a cidade mudando", afirma ele. "É uma cidade que está prosperando."

O governo diz que cerca de 338 mil cubanos possuem hoje licenças para operar empreendimentos privados, incluindo mais de 4.500 em Cienfuegos e 14 mil em Sancti Spiritus. O número não mudou significativamente desde abril, mas ainda assim é mais de três vezes a meta que o governo tinha para o ano. Os empreendimentos são resultado do plano de Castro de injetar um pouco de capitalismo na estagnada economia marxista de Cuba.

Os novos negócios são muito modestos. A renda gerada não está perto de ser o suficiente para transformar a fraqueza perene da economia cubana. Mas para as vidas dos moradores, ou as esperanças de uma cidade pequena, as reformas têm sido uma benção.

"É uma maneira de ter algo que seja nosso", afirma Alain Suárez, que juntamente com sua família abriu uma caprichada "guarapera", uma banca de caldo de cana, em Santa Isabel de Las Lajas, a cerca de 25 quilômetros de Cienfuegos por uma rodovia esburacada cercada por plantações de cana-de-açúcar.

O jovem de 23 anos e ar inteligente aponta para uma pequena banca de pizza do outro lado da rua, e outra que vende sanduíches. "Todos esses negócios foram abertos recentemente e deram uma vida nova à cidade."

Como demonstra a pequena banca de caldo de cana de Suárez, a livre iniciativa começa pequena, num lugar onde a maioria dos moradores recebe salários de cerca de US$ 20 por mês e onde todos os empreendimentos privados, das humildes docerias às lojas de produtos eletrônicos e fábricas gigantescas foram confiscados pelo governo socialista no fim da década de 1960.

Santa Isabel de Las Lajas é o local de nascimento do lendário cantor Benny More, imortalizado em 1955 pela música "Lajas, Mi Rincón Querido" ("Lajas, Minha Cidade Querida"). Mas já passou por dias difíceis desde então, incluindo o desmantelamento de uma de suas gigantescas refinarias de açúcar em 2002, e o fechamento temporário de outra de lá para cá. Cuba, outrora famosa pelo seu lucrativo comércio de açúcar, vem registrando uma produção cada vez menor, sendo que a safra de 2010 foi a pior em 105 anos.

Além de um rápido festival realizado todos os anos para homenagear More, Lajas raramente recebe turistas e os moradores dizem que poucos ganham dinheiro de parentes que vivem no sul da Flórida ou outros lugares fora do país. E, embora o plano de Castro de dispensar 500 mil funcionários públicos tenha sido paralisado, o governo já demitiu 127 mil trabalhadores, diminuindo ainda mais as fileiras das pessoas com dinheiro para gastar.

Mas o interior de Cuba está se beneficiando de uma idiossincrasia do sistema econômico cubano. Como as grandes, e ineficientes, fazendas controladas pelo Estado têm dificuldades para atender à demanda por alimentos do país, ele poderá ser o único lugar no hemisfério onde os agricultores privados em pequena escala estão perto do topo da pirâmide de renda.

"Aqui tudo é ao contrário", disse Omar Evereleny Perez, o principal economista do Centro Cubano de Estudos Econômicos da Universidade de Havana, à Associated Press, na primeira entrevista de um economista do governo, ou universidade cubana, a um órgão de imprensa estrangeiro desde que as reformas foram anunciadas em outubro de 2009.

Perez disse que os agricultores sobreviveram melhor aos anos magros da década de 1990, que se seguiram ao colapso da União Soviética, que os moradores das cidades, por que conseguiam vender os alimentos que produziam a preços relativamente altos para aqueles que precisavam desesperadamente de comida.

"Há contas bancárias com 4 milhões ou 5 milhões de pesos [US$ 160 mil a US$ 200 mil] nas mãos de fazendeiros", disse ele. Segundo Perez, 13% dos cubanos detêm 90% do dinheiro depositado em todas as contas dos bancos da ilha. "É tudo muito concentrado e grande parte dele pertence aos fazendeiros", afirma ele.

Perez tem sido incomumente crítico às reformas implementadas até agora, afirmando em artigos opinativos publicados pela Igreja Católica Romana e em outros países que muita coisa mais precisa ser feita para colocar os profissionais cubanos capacitados no setor privado, permitir o crédito bancário a candidatos a empresários e estabelecer um mercado atacadista para suprir as novas empresas.

"Estamos apenas no começo do processo", disse ele. "A lei que permite a iniciativa privada... não é o suficiente para estimular a economia. Vender sanduíches não vai fazer a economia crescer."